No entanto, algumas ações de adaptação exigem estudos detalhados, como a identificação de áreas vulneráveis baseadas em fatores como topografia, tipo de solo e vegetação e recorrência de eventos climáticos extremos. É crucial projetar de forma adequada os potenciais riscos futuros para evitar a implementação de medidas de adaptação baseadas apenas nos riscos presentes. Além disso, fatores como governança, financiamento, conhecimento e diferenças culturais influenciam a capacidade de planejamento e implementação de opções de adaptação.
A adaptação eficaz requer uma abordagem holística que combine medidas de curto e longo prazos. Iniciativas de curto prazo, como sistemas de alerta precoce e evacuação, são essenciais para mitigar os impactos imediatos dos eventos extremos, como deslizamentos, inundações e tempestades. No entanto, para enfrentar os desafios de longo prazo, como o aumento da frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos, são necessárias estratégias de adaptação que incluam investimentos em infraestrutura resiliente, planejamento urbano sustentável, restauração dos biomas e rápida redução das emissões de gases de efeito estufa para limitar o aquecimento global.
Segundo o relatório da OMM, em 2021/2022, os fluxos financeiros globais relacionados ao clima atingiram quase USD 1,3 trilhão, quase o dobro quando comparado aos níveis de 2019/2020. Assim mesmo, os fluxos rastreados representam apenas cerca de 1% do PIB global, de acordo com a Iniciativa de Política Climática. Existe uma grande lacuna de financiamento. Em um cenário médio, para uma trajetória de que limite o aquecimento a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, os investimentos anuais precisam crescer mais de seis vezes, chegando a quase USD 9 trilhões até 2030 e mais USD 10 trilhões até 2050.
O custo da inação é ainda maior. Agregando o período de 2025 a 2100, o custo total da inação é estimado em USD 1.266 trilhão; ou seja, a diferença entre as perdas estimadas sob um cenário business as usual (manutenção do status quo) e um cenário consistente com um aquecimento de 1,5°C. No entanto, essa cifra provavelmente é uma subestimação dramática. O financiamento para adaptação continua sendo insuficiente, apesar do recorde de USD 63 bilhões em 2021/2022 e a lacuna global de financiamento para adaptação está se ampliando, ficando muito aquém dos estimados USD 212 bilhões anuais necessários até 2030 apenas em países em desenvolvimento.
Os eventos climáticos extremos têm consequências econômicas significativas, afetando a produção agrícola, a infraestrutura urbana, o turismo e outras indústrias. No caso do RS, as recentes inundações, deslizamentos e tempestades resultaram em perdas materiais substantivas, interrupções nas cadeias de suprimentos e danos à infraestrutura. Esses impactos econômicos podem ser exacerbados pela falta de preparação e infraestrutura inadequada, ressaltando a necessidade de investimentos em medidas de adaptação e resiliência.
O setor privado começou a reconhecer os riscos relacionados ao clima e, consequentemente, redirecionar os fluxos de investimento. As dinâmicas variam entre os setores e regiões, sendo o setor financeiro um facilitador de transições apenas em alguns (sub-) setores e regiões selecionadas. Uma liderança política consistente, crível, oportuna e prospectiva continua sendo fundamental para fortalecer o setor financeiro como um facilitador.
Ainda é prematuro calcular as perdas que o RS e sua população enfrentarão. De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), as perdas atribuídas à catástrofe podem ter alcançado R$ 275 milhões até 3 de maio, estimativa esta considerada conservadora. As perdas totais causadas por desastres naturais no Brasil em 2023 atingiram R$ 105 bilhões, com secas extremas (51%) e chuvas (49%) como principais causas. No que diz respeito aos setores afetados, a agricultura respondeu por quase 51% das perdas, seguida pela pecuária (15%), saneamento (10%) e infraestrutura e habitação (7%). A maior parte do ônus (69%) recaiu sobre o setor privado.
Historicamente, o Sul tem sido a região mais impactada do Brasil por desastres naturais. Segundo a CNM, entre 2013 e 2023, a região foi atingida por 3.051 dos 7.589 desastres naturais registrados no país. O Sul também foi a área com o maior número de unidades habitacionais afetadas por desastres naturais no período, com quase 50% das 2,3 milhões de unidades danificadas ou destruídas. Nos últimos 12 meses, o RS enfrentou dez eventos climáticos extremos. Em 2023, o PIB estadual alcançou R$ 640 bilhões (+1,7% a/a), representando cerca de ~6% do PIB brasileiro. O segmento de serviços é o principal contribuinte para o PIB local, seguido pelo setor industrial e, em seguida, pela agricultura.
A avaliação do risco climático e sua gestão eficaz são desafios complexos devido à incerteza associada às projeções climáticas e à variabilidade natural do clima. Enquanto os relatórios do IPCC fornecem insights valiosos sobre os padrões de mudanças climáticas e os riscos associados, há uma necessidade contínua de pesquisa científica para melhorar a compreensão dos impactos locais e regionais das mudanças climáticas.
Para enfrentar situações como a vivenciada no RS, o Brasil precisa adotar uma abordagem abrangente que englobe diversos aspectos. Primeiramente, é fundamental investir na ciência e na geração de conhecimento para compreender profundamente as necessidades regionais específicas do país.
Além disso, a comunicação eficaz, envolvendo todos os agentes possíveis, é essencial, inclusive para lidar com negacionistas do clima, utilizando o princípio da precaução na implementação de ações de prevenção e minimização de riscos.
O envolvimento das comunidades no processo decisório, especialmente das populações mais vulneráveis também é crucial, tornando-as importantes atores na implementação de medidas de adaptação e mitigação. Também é necessário considerar a formação de comunidades organizadas para apoiar ações locais de prevenção e a participação do setor privado. No entanto, é importante reconhecer que, mesmo com adaptação efetiva, algumas perdas e danos são inevitáveis, principalmente nas populações mais pobres e vulneráveis. A ciência existente já fornece evidências claras dos impactos das mudanças climáticas, reforçando a necessidade urgente de ações concretas por parte dos governos, tanto em nível global quanto local. Isso inclui medidas de mitigação mais ambiciosas e o apoio aos países desenvolvidos por meio de financiamento, capacitação e transferência de tecnologia. Em última análise, todos compartilhamos a responsabilidade de enfrentar os desafios das mudanças climáticas, e é crucial agir agora, minimizando as contribuições individuais para o aquecimento global.