A regulamentação do mercado de crédito de carbono, por meio da legislação aprovada ontem, é somente o primeiro passo para que o Brasil crie as condições necessárias para avançar efetivamente nessa agenda. Isso porque será necessário, a partir de agora, definir a linha base setorial de emissões de carbono, com a indicação do volume máximo de emissão por setor econômico, bem como o cronograma de adequação a esses limites, o que por si só envolve enorme complexidade.
“O engajamento das empresas, por meio de um esforço setorial articulado de diálogo com as autoridades, é muito importante. O objetivo de cada setor deve ser demonstrar para o governo e os legisladores o volume ideal que contemple, ao mesmo tempo, a necessidade urgente de redução das emissões com a manutenção da competitividade econômica de suas indústrias”, afirma Ana Luci Grizzi, sócia da EY Brasil e vice-líder LATAM de Sustentabilidade e Mudanças Climáticas. A viabilidade da conformidade por parte das empresas com as regras do mercado de crédito de carbono, assim como o sucesso dessa iniciativa no país, dependerá desses alinhamentos.
A definição desses limites de emissão por setor está na base do funcionamento do sistema escolhido pelo Brasil para o mercado regulado de carbono. No chamado cap and trade, um teto para cada setor econômico é estabelecido para as emissões dos gases de efeito estufa. A partir daí, a lógica passa a ser a seguinte: as empresas que cumprem esses limites podem vender, como títulos de compensação, seus créditos de carbono excedentes para aquelas que estão emitindo acima do teto. Geralmente, essas negociações ocorrem dentro de um mesmo setor.
Caso o crédito de carbono de base florestal (de conservação ou de restauro) seja negociado no mercado financeiro, ele será classificado como ativo mobiliário, cuja competência de regulação, portanto, é da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Longo período pela frente
“Dá para dizer neste momento que essas diretrizes, como os limites de emissão, estarão alinhadas com o Plano Clima, que está sendo redigido pelo governo federal, mais precisamente pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas”, explica Ana Luci. Ainda há, na avaliação dela, um extenso caminho pela frente para que o Brasil construa sua precificação interna de carbono – diferentemente da Europa, que já tem um mercado consolidado de crédito de carbono, utilizado inclusive como modelo pelo Brasil. “Há um longo período de regulamentações, iniciado pela legislação recentemente aprovada; de definições operacionais; e de etapas de teste. As primeiras transações do mercado regulado de carbono só devem ocorrer daqui a três ou quatro anos”, diz.
Esse prazo preocupa o mercado porque o receio é que os produtos brasileiros percam competitividade em escala global – mais especificamente em relação às exportações para a União Europeia por causa do Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, na sigla em inglês). A UE passará, a partir de 2026, a cobrar uma sobretaxa aplicada sobre as emissões de produtos importados pelos países do bloco. Essa medida será aplicada inicialmente às importações de produtos com volume significativo de carbono e mais sujeitos ao vazamento de carbono.
As empresas submetidas a um mercado regulado em seus países de origem estarão isentas dessa cobrança. Também por isso, há mobilização por parte dos empresários pelo avanço mais rápido desse mercado no Brasil, principalmente das empresas que exportam cimento, ferro, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio, produtos de emissões maiores. Essa isenção da taxa se dará somente quando o mercado regulado local estiver efetivamente estabelecido, o que passa pela definição dos limites setoriais. A CNI (Confederação Nacional da Indústria) publicou uma simulação de qual seria o impacto financeiro em 2023 do CBAM – se já estivesse em vigor – sobre as exportações brasileiras dos produtos afetados. O valor seria superior a US$ 3 bilhões, prejudicando principalmente o setor de ferro e aço.
Potencial do mercado de crédito de carbono
Em 2030, o Brasil poderá atender sozinho, considerando os compromissos empresariais no mercado voluntário, quase a metade da demanda global por créditos de carbono e até 28% da demanda internacional registrada no mercado regulado. As projeções são do estudo elaborado pela Waycarbon e pela Câmara de Comércio Internacional (ICC, na sigla em inglês). Em 2023, no entanto, o Brasil, no mercado voluntário, registrou queda de 89% no volume de créditos de carbono emitidos – na comparação com 2021, ano do recorde da série histórica, de acordo com estudo do Observatório do Conhecimento e Inovação em Bioeconomia, da FGV (Fundação Getulio Vargas).