Pallets dentro de um galpão

Impactos da Reforma Tributária no Comércio Exterior

Avaliação da Redação Original do PLP nº 68/2024 no Comex.


m 25 de abril de 2024, respeitando as novas regras constitucionais promulgadas com a Emenda Constitucional 132/2023, foi apresentado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024, que visa instituir os novos tributos: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS).

Atualmente, o sistema tributário brasileiro conta com diversos tributos indiretos – ISS, ICMS, PIS/COFINS e IPI –, que incidem sobre uma ampla gama de atividades econômicas realizadas diariamente por contribuintes em todo o Brasil, incluindo operações de comércio exterior.

Na importação, todos esses tributos são cobrados de diferentes formas e combinações, repletos de exceções e tratamentos diferenciados, culminando em um sistema altamente complexo. Por exemplo, não é raro que empresas concorrentes em um mesmo setor possuam cargas tributárias diferentes. Todo esse cenário gera um sistema muito oneroso para o importador, que precisa investir pesadamente em controles e administrar um vasto contencioso tributário.

Embora a Constituição Federal conceda imunidade desses tributos na exportação, afastando sua cobrança, são vários os reflexos desses tributos nas etapas anteriores à exportação, resultando em problemas semelhantes aos mencionados acima.

Com a reforma tributária, todos os atuais tributos indiretos serão substituídos pelo IBS e CBS após o período de transição, prometendo reduzir sobremaneira os custos operacionais. Neste artigo, focamos nos impactos, melhorias e preocupações que a redação original do PLP nº 68/2024 pode trazer às operações de comércio exterior, especialmente na importação e exportação de bens e serviços, incluindo as operações precedentes às exportações.

Vale ressaltar que toda a legislação sobre os Impostos de Importação e Exportação não será afetada pela atual reforma tributária, ao menos até o momento. Portanto, as alíquotas desses tributos, fato gerador, base de cálculo e reduções tarifárias devem permanecer como são atualmente.

IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE SERVIÇOS E BENS IMATERIAIS, INCLUINDO DIREITOS

A CBS e o IBS incidirão sobre a importação de bens imateriais, incluindo direitos e serviços, sempre que tais operações representarem uma transação onerosa. No regime atual, impactos semelhantes já ocorrem, uma vez que o pagamento dos serviços marca o momento da ocorrência do fato gerador dos tributos incidentes ISS e PIS/COFINS.

No entanto, há diferenças relevantes. Enquanto o ISS não é passível de crédito e o crédito de PIS/COFINS só é admitido quando certos requisitos são cumpridos (como o contribuinte estar sujeito ao regime não-cumulativo dos tributos e a despesa ser essencial para a atividade econômica da empresa), a CBS e o IBS permitirão créditos de forma muito mais ampla.

A alíquota conjunta de referência da CBS/IBS, prevista para ser de 26,5%, é muito superior às atuais alíquotas conjuntas do ISS/PIS/COFINS, que somam cerca de 14,25%. Por outro lado, a carga tributária final poderá ser menor devido à menor restrição à tomada de créditos nessas operações.

Em relação à importação de bens imateriais, incluindo direitos, essas operações serão tributadas pela CBS/IBS, inovando e atualizando a legislação tributária, já que uma grande parcela dessas operações não era tributada pelo ISS por não se tratarem de serviços.

Embora amplie a base de incidência, o novo sistema deve simplificar várias discussões. Muitas empresas optavam por tratar alguns bens imateriais como serviços para evitar que fiscos municipais eventualmente reenquadrassem essas operações como serviços, com base em sua natureza jurídica. Um exemplo polêmico recente foi a tributação pelo ISS sobre importação de software, caracterizado como serviço pelo Supremo Tribunal Federal (STF), encerrando uma longa disputa sobre o tema.

Outra circunstância que pode ser simplificada é a cobrança de serviços cujos valores são embutidos no valor das mercadorias, como instalação de máquinas e equipamentos. No atual sistema, há muitas discussões sobre essas situações, pois a importação de bens e serviços são tributados por diferentes tributos e de diferentes formas.

No novo sistema, tanto serviços quanto mercadorias serão tributados pelos mesmos tributos, metodologia de cálculo, metodologia de creditamento e pela mesma alíquota. Dessa forma, a cobrança dos serviços embutidos ou não embutidos no preço da mercadoria, para fins de IBS/CBS, praticamente não fará diferença. Ademais, se houver confusão sobre qual parcela do valor de comercialização se refere a bens materiais ou a serviços e bens imateriais, o valor total será tributado pelo tratamento mais oneroso. Isso desestimula exportadores e importadores a buscarem meios oblíquos ou confusos para reduzir tributos.

Por outro lado, o Projeto de Lei traz uma inovação à tributação de serviços e bens imateriais com relação ao momento da ocorrência do fato gerador e que permite que a cobrança seja realizada. Na redação atual, o IBS e a CBS podem ser cobrados quando ocorrer o pagamento da operação ou no término da prestação de serviços, o que ocorrer primeiro. Essa inovação exigirá que o contribuinte distinga entre a data em que ocorrer o pagamento e a data em que o serviço importado for concluído. Certamente, se essa redação se mantiver, isso acarretará a criação de uma nova obrigação para o contribuinte, que terá de exercer controle rigoroso das datas. No passado recente, o extinto Siscoserv executava essa função, embora não possuísse finalidade arrecadatória no sistema atual.

Com relação às exportações, os serviço e bens materiais serão desonerados desde que a operação seja fornecida a residente ou domiciliado no exterior e cujo consumo seja realizado no exterior. O consumo é definido pelo Projeto de Lei como a utilização, exploração, aproveitamento, fruição ou acesso a esses serviços.

Nesse sentido, é possível que ainda haja confusão, especialmente quanto à repercussão dos efeitos desses serviços e se serão percebidos no Brasil ou fora do Brasil. Esse é justamente o principal motivo pelo qual o dispositivo que garante a imunidade do ISS sobre exportações de serviços seja tão pouco utilizado em nosso sistema atual.

IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE BENS MATERIAIS

Com relação à importação de bens materiais, o Projeto de Lei define aspectos importantes para os tributos, como a alíquota na importação ser a mesma praticada nas operações domésticas e a base de cálculo dos tributos ser o valor aduaneiro acrescido do Imposto de Importação, Imposto Seletivo (se aplicável), Taxa Siscomex, AFRMM, CIDE, Direitos Anti-Dumping, compensatórios, salvaguardas e outras taxas aduaneiras incorridas até a liberação das mercadorias. Ou seja, sem qualquer cálculo “por dentro” na composição da base dos novos tributos desde sua gênese.

O Projeto também define que a alíquota a ser utilizada é a do local da importação, especialmente com relação à parcela do IBS. A depender do Estado ou Município, pode-se utilizar uma alíquota diferente da alíquota de referência, respeitando o princípio da autonomia dos entes federativos. No entanto, quanto à definição do local da operação, a legislação ainda carece de detalhamentos. Conforme o projeto, o local da importação é definido como o local da entrega da mercadoria. Porém, essa redação não é suficientemente clara, restando dúvidas como:

  • Qual é o local da entrega?
  • Seria a entrega da mercadoria no porto ou aeroporto?
  • A entrega é no local do estabelecimento importador?
  • Nas operações triangulares, onde a mercadoria é transportada diretamente do porto para o cliente do importador, qual é o local da entrega?
  • E nas importações indiretas, devemos considerar o domicílio do real adquirente ou do importador?

Essas perguntas são relevantes, pois o local do porto/aeroporto, o estabelecimento do importador e o estabelecimento do cliente do importador podem estar em Estados diferentes, causando confusão sobre para qual Estado o tributo será recolhido e qual alíquota deve ser utilizada.

É possível que o regulamento da lei traga uma definição mais clara dessa situação. No entanto, seria melhor que essa definição já fosse esclarecida desde a legislação complementar, pois é um tema polêmico que merece atenção, até para que esse conceito não sofra mudanças com a troca de governo ou conjunturas econômicas distintas.

REMESSA COM FIM ESPECÍFICO DE EXPORTAÇÃO

As remessas com fim específico de exportação são operações que precedem as exportações e ocorrem nas chamadas “exportações indiretas”, que ocorrem quando um fabricante ou pessoa interessada em comercializar seu produto no exterior, mas sem interesse ou capacidade de realizar a exportação direta, vende seu estoque para um intermediário no Brasil, que adquire os bens localmente e se encarrega da exportação.

Às remessas com fim específico de exportação é garantida a suspensão dos tributos incidentes na operação local, estendendo os efeitos da imunidade dada às exportações e estimulando, assim, o comércio exterior no Brasil.

O Projeto recepciona esse instituto, muito utilizado pelo setor do agronegócio, entre outros. No entanto, o projeto traz importantes inovações em relação ao formato atual:

  • Exigência de habilitação específica da empresa comercial exportadora (a adquirente do bem a ser exportado e que se encarrega de exportá-lo efetivamente).
  • Exigência de que a comercial exportadora seja certificada no Programa Brasileiro de Operador Econômico Autorizado (OEA).
  • Exigência de que a comercial exportadora possua patrimônio líquido igual ou superior a R$ 1 milhão e uma vez o valor total dos tributos suspensos.
  • Redução do prazo para exportar: de 180 dias, após a aquisição dos bens no Brasil, para 90 dias.

A habilitação específica como empresa comercial exportadora não é a grande novidade, pois essa certificação já existe, regulamentada pela Portaria SECEX nº 23/2011 e trazida ao nosso ordenamento pelo Decreto-Lei nº 1.248/1972. No entanto, a exigência de que a operação de remessa com fim específico seja efetuada apenas por empresas habilitadas como comerciais exportadoras é nova. Esse novo requisito pode significar mais uma restrição ao uso do instituto que suspende os tributos na primeira venda da exportação indireta.

A necessidade de certificação no Programa OEA visa garantir que as empresas contem com procedimentos de segurança e conformidade adequados, alinhados às melhores práticas de mercado e exigências da aduana brasileira. Essa exigência não era obrigatória para a concretização da remessa com fim específico de exportação, sendo mais um requisito que merece atenção das empresas que operam nesse formato.

Quanto às exigências de patrimônio líquido, o valor de R$ 1 milhão está relativamente alinhado aos requisitos das empresas que operam como comerciais exportadoras habilitadas, pois esse registro também já traz exigências de patrimônio líquido mínimo e parece estar em consonância com a exigência do primeiro item citado acima.

No entanto, ao limitar o patrimônio a uma vez o valor dos tributos suspensos, a legislação não esclarece como essa comparação deve ser feita. Isso porque o volume de operação realizada pelos setores que usam esse instituto é significativo, como no caso do setor do agronegócio já mencionado. Assim, restam dúvidas sobre como isso deve ser procedimentado: seria uma comparação com o valor suspenso em cada operação isoladamente ou em relação à soma de todos os tributos suspensos? Dependendo dos valores envolvidos, é possível que a remessa com fim específico de exportação se mostre inviável.

Por fim, a redução do prazo para exportar é uma grande restrição por si só. Se o prazo não for cumprido, os tributos suspensos deverão ser recolhidos imediatamente, sem prejuízo das penalidades aplicáveis pelo atraso no recolhimento. Há, no entanto, a previsão de extensão do prazo, dependendo das características dos produtos. Mais uma vez, a legislação é vaga quanto à definição de quais características seriam critérios para a autorização da extensão.

Dessa forma, a legislação acerta na manutenção do instituto de remessa com fim específico de exportação, pois é um mecanismo que estimula e viabiliza a exportação brasileira, impulsionando a balança comercial do país e atraindo negócios. No entanto, sua manutenção é acompanhada de novas restrições que devem ser debatidas nas próximas etapas da implementação da reforma tributária.

REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS

Outro aspecto importante da reforma tributária é a manutenção de grande parte dos regimes aduaneiros especiais. Muito se especulava sobre a possível eliminação desses regimes sob a justificativa de ampliação da base de tributação e eliminação de incentivos fiscais, e como isso impactaria o comércio exterior brasileiro.

Regimes aduaneiros especiais são utilizados no mundo todo, e muitos deles têm fundamento em tratados e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, que não podem ser ignorados por força constitucional. Assim, a apreensão do mercado era grande, mas a Emenda Constitucional nº 132/2023 assegurou que uma lei complementar deveria versar sobre a aplicação de regimes aduaneiros especiais.

O projeto de lei apresenta em seu Título II diversos capítulos sobre regimes aduaneiros especiais e zonas de processamento de exportação. Um ponto a destacar é que a legislação categoriza os regimes aduaneiros especiais, diferenciando regimes de depósito, de permanência temporária, de aperfeiçoamento, aplicáveis ao setor de petróleo e gás (REPETRO) e os sobre bens de capital, algo que até então não era feito. Ainda assim, o projeto de lei trata brevemente desses regimes, delegando à legislação específica o detalhamento operacional e suas definições.

Por exemplo, com relação aos regimes de depósito, o projeto de lei sequer especifica quais seriam os regimes enquadrados. Essa função ficará a cargo de mais uma legislação. Portanto, presume-se que todos os atuais regimes de depósito devem permanecer, como Depósito Especial, Entreposto Aduaneiro e Depósito Certificado Alfandegado - DAC (este regime até mereceu menção expressa, apenas para determinar que bens admitidos na importação não terão a suspensão do IBS e da CBS, dando a entender que este regime deverá ser melhor utilizado nas exportações e não nas importações), entre outros.

Com relação aos regimes de aperfeiçoamento, mesmo que a lei falhe em trazer um conceito deste tipo de regime, subentende-se como sendo os regimes voltados para incentivar as operações que promovam alguma atividade industrial no bem importado, exportado ou em ambos simultaneamente, como é o caso do Drawback e do RECOF.

Isso se depreende do próprio projeto que cita a existência do Drawback na modalidade suspensão. Já com relação às modalidades isenção e restituição, fica definido que elas não trarão nenhum tratamento diferenciado quanto ao IBS e à CBS, restando efeitos apenas no Imposto de Importação.

Outras submodalidades do Drawback, como intermediário, embarcação, licitação internacional, sem cobertura cambial ou Drawback para serviços não foram mencionadas. Legislação específica deverá tratar sobre manutenção, modificação ou revogação dessas submodalidades.

O RECOF também não foi mencionado expressamente, no entanto, pelas manifestações recentes do Governo Federal, é sabido que este regime será mantido. Critica-se portanto, por que não fazer menção expressa ao RECOF, à exemplo do Drawback, dada sua importância para as empresas hoje beneficiárias.

O REPETRO, por sua vez, foi mencionado em uma seção específica, mas carece de detalhamentos. O projeto cita todas as suas submodalidades (Temporário, GNL-Temporário, Industrialização, Permanente, Nacional e Entreposto), ao menos reconhecendo-as.

Já com relação aos regimes sobre bens de capital, os únicos mencionados foram o REPORTO e o REIDI, abrangendo investimentos em áreas portuárias e projetos de infraestrutura. No entanto, os investimentos realizados por empresas preponderantemente exportadoras, que hoje se beneficiam do RECAP, devem perder seus incentivos, pois esse regime não foi assegurado para o IBS e a CBS.

Ao optar por ser breve, a legislação propõe, por omissão, não revolucionar o atual sistema de regimes aduaneiros especiais. Por esse prisma, o sinal é positivo, pois envia a mensagem ao mercado de que os regimes serão adaptados aos novos tributos, garantindo que sua operacionalização permaneça como é hoje.

Outra vantagem é que muitos regimes, que eram de ordem federal, quando aplicados aos tributos estaduais necessitavam de um Convênio exarado pelo Conselho de Política Fazendária (CONFAZ). Com essa nova dinâmica, os regimes aduaneiros especiais devem cobrir tanto os tributos federais quanto estaduais, com mais equidade e menos distorções.

Assim, o RECOF, por exemplo, deverá produzir efeitos, como um regime de aperfeiçoamento tanto para a CBS quanto para o IBS (estadual), o que deve atrair atenção de muitas empresas. Hoje, o RECOF é muitas vezes preterido nos projetos de viabilidade das empresas por não suspender a parcela do tributo estadual, como é o caso do Drawback (ao menos em relação às importações).

O mesmo vale para o REIDI e REPORTO, que atualmente produzem efeitos apenas sobre tributos federais (o REIDI, no caso, suspende apenas PIS/COFINS, ficando o IPI, no caso de mercadorias, e o ISS, no caso de serviços, fora do alcance do regime). No cenário pretendido, haverá uma extensão da aplicação dos incentivos.



Resumo 

A análise do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024 revela que, embora a proposta traga importantes inovações para o sistema tributário brasileiro, substituindo os tributos indiretos atuais por novos tributos como IBS, CBS e IS, e oferecendo maior clareza e simplificação na tributação de operações de comércio exterior, ainda existem desafios e áreas que necessitam de regulamentação detalhada. A implementação bem-sucedida desta reforma dependerá de um equilíbrio entre os benefícios prometidos e a adaptação cuidadosa às novas exigências, visando fomentar um ambiente tributário mais eficiente e justo para o comércio internacional.

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