Embora pareça provável que algumas economias sejam gravemente afetadas pela guerra na Ucrânia, a expectativa é de que o impacto negativo global no curto prazo sobre a recuperação pós-pandemia se estabilize em cerca de 0,4 pontos percentuais, levando a um crescimento do PIB da ordem de 3,5% em 2022. Caso a guerra se intensifique e espalhe, os impactos terão uma escala muito maior, com risco real de uma recessão global.
Consequências negativas diretas da guerra incluem:
- Aumento dos preços das commodities, principalmente energia, metais e alguns produtos alimentícios e agrícolas;
- Maior restrição fiscal e estresse em intermediações, incluindo fuga de capitais;
- Aumento das disrupções no comércio e nas cadeias de fornecimento;
- Redução da confiança do setor privado.
Essas disrupções foram intensificadas porque surgiram em um momento particularmente sensível, marcado pelos maiores níveis de inflação observados em mais de duas décadas, preços elevados de energia, cadeias de fornecimento sob pressão e volatilidade dos mercados financeiros. Antes da guerra na Ucrânia, os bancos centrais já estavam em uma trajetória íngreme de aumento das taxas de juros, mas a expectativa é de que essas taxas atinjam patamares ainda maiores com a intensificação dos esforços para conter a inflação.
Ainda que já tenhamos visto um aperto monetário e fiscal, liderado pelos EUA, e uma redução do auxílio financeiro da pandemia, equilibrar esses movimentos significa aumentar o apoio financeiro aos refugiados e as ações para aumentar a independência energética e defesa, principalmente na Europa Central.
As vacinas e terapias da COVID-19 reduziram os efeitos paralisantes da pandemia em diversos países, e os gargalos logísticos começaram a ceder já antes da guerra na Ucrânia. No entanto, ainda que a pandemia se torne uma endemia, ela ainda não acabou. As políticas de combate à COVID-19 variam; a política de tolerância zero da China, por exemplo, continua a gerar lockdowns que provocam interrupções nos fluxos de fornecimento.
Impactos regionais da redução do comércio global
Rússia e Ucrânia
Tanto a Rússia quanto a Ucrânia vivenciam profunda crise econômica. No caso da Rússia, as sanções econômicas e financeiras cada vez mais severas têm provocado o colapso do rublo, a ampla retirada de companhias estrangeiras do país e uma queda previsível do PIB da ordem de 5% a 7% já em 2022. Ao mesmo tempo, a desvalorização do câmbio e escassez de produtos importados levará a inflação aos dois dígitos. Na hipótese improvável de a China e a Índia se juntarem ao rol de países que impuseram sanções, o impacto negativo na Rússia seria intensificado em aproximadamente 50%.
A atividade econômica na Ucrânia tem sido gravemente afetada pela guerra, e o impacto no longo prazo dependerá da duração e da magnitude do conflito. Os custos de infraestrutura, embasados em outras guerras,indicam uma redução do PIB de até 50% ao longo de vários anos. Ainda que a guerra termine em breve, poderá haver queda de dois dígitos do PIB.
Europa
A Europa também será bastante impactada, em razão do seu comércio relevante e conexões financeiras com Ucrânia e Rússia. Com a alta dos preços da energia e dos alimentos pesando no bolso das famílias e as restrições financeiras pressionando a atividade econômica, é provável que o crescimento do PIB da Zona do Euro seja limitado a cerca de 3,0% (considerando um impacto negativo de mais de 0,6 pontos percentuais).
Mas mesmo dentro da Europa haverá grandes diferenças, uma vez que os Países Bálticos e o Chipre sofrerão impacto maior, ao passo que o sul da Europa e a Irlanda serão pouco impactados. A Polônia, Eslováquia e, em menor medida, a Hungria têm recebido um grande fluxo de refugiados que impulsionará o consumo, os gastos fiscais e a inflação. Se as aquisições de petróleo e gás natural forem banidas, os países mais impactados incluirão Hungria, Países Bálticos, República Tcheca, Eslováquia,Alemanha e Itália.
Estados Unidos
Em contraste, a economia dos EUA, beneficiada pelo cenário econômico sólido anterior ao início da guerra na Ucrânia, está mais blindada do que a Europa em relação aos impactos mais severos. Se pressionados, os EUA podem atingir a independência energética, mas os produtores podem relutar em intensificar as perfurações após vários ciclos recentes de rápido crescimento e súbito colapso.
China
A China enfrenta ventos contrários persistentes, devido a uma queda na atividade econômica no setor imobiliário e à sua política de tolerância zero no combate à COVID-19. Assim, espera-se uma redução no crescimento do PIB chinês de 8,1% em 2021 para cerca de 5% em 2022. A alta dependência de importação de petróleo pela Índia (quase 90% do seu consumo) gera uma grande exposição do país à alta dos preços da commodity. É provável que o crescimento real do PIB caia de 8,1% em 2021 para 7% em 2022.
Conforme as companhias ponderam sobre como levar em conta as diferentes projeções de crescimento do PIB, os líderes de negócio precisarão lidar com a fragmentação do comércio internacional. A Rússia estará isolada pelo Ocidente; no entanto, ainda estará integrada com a China e vários outros países asiáticos. É provável que as importações de commodities sejam substituídas por fontes alternativas em países de preferência; porém, em alguns casos, isso será difícil porque alguns produtos, como os minerais verdes, estão limitados pela localização.
Outros países
Grandes exportadores de energia, como o Kuwait, os Emirados Árabes, o Cazaquistão, a Arábia Saudita, Austrália e Noruega, têm se beneficiado, ao menos no curto prazo, da alta dos preços. Por outro lado, o Egito está particularmente vulnerável aos efeitos da guerra devido à sua dependência de trigo importado da Ucrânia e da Rússia. Importadores líquidos de petróleo e outras commodities, especialmente na Ásia (Vietnã, Paquistão, Tailândia, Coreia do Sul) também serão prejudicados, com probabilidade de deterioração das balanças comerciais nesses territórios..
A recuperação econômica global, que havia começado após a pandemia, já está enfrentando alguns obstáculos. Mas desde que a guerra não se estabilize em um conflito profundo e prolongado ou envolva novos atores, uma recessão global parece improvável no momento.