O que mudou no mercado de trabalho de 2020 até agora?

Por Oliver Kamakura

Sócio de Consultoria em Gestão de Pessoas da EY para o Brasil

Um sócio que se considera trainee, Oliver tem 16 anos de experiência em consultoria relacionada a pessoas pela EY.

10 Minutos de leitura 2 jul 2024

Todos nos recordamos das mudanças ocorridas desde a pandemia de 2020 até o momento, inclusive do impacto das transformações abruptas que tomaram o mercado de trabalho e forçaram o mundo inteiro a se adaptar rapidamente. 

Em resumo

  • A pandemia de 2020 causou transformações significativas no mercado de trabalho, exigindo adaptações rápidas.
  • Entre os principais impactos duradouros, destacam-se a flexibilidade do trabalho híbrido, a ênfase no bem-estar, a reformulação dos modelos de gestão e a qualidade das interações no ambiente de trabalho.
  • Esses aspectos influenciam diretamente a produtividade, o turnover e a governança nas empresas.
  • A seguir, detalharemos como essas mudanças moldaram o mercado de trabalho até o momento.

Fazendo aqui a minha escolha dos três principais impactos que perduram até hoje, eles são: a flexibilidade que levou ao conceito de trabalho híbrido; o surgimento de uma agenda de wellbeing (bem-estar); e o desafio de repensar os modelos de gestão de atuação em linha com as novas expectativas sobre o trabalho, no que chamamos de "experiência do colaborador". Esses três pontos estão atrelados a outras questões de grande importância, como produtividade, turnover e governança, entre outras.  

Segundo o estudo global Trabalho Reimaginado 2023 da EY, 64% dos empregadores e 71% dos empregados acreditam que a cultura organizacional de suas empresas mudou para melhor desde 2020.

Contudo, dentro desses principais impactos, é preciso ter em mente que muito do que se imaginava como o futuro do trabalho naquele ano já caiu ou deve cair nos próximos tempos, levando a uma necessidade de alinhamento e conversas transparentes entre empregados e empregadores, para chegar a um denominador comum. Vamos destrinchar esses pontos ao longo do texto.

Trabalho remoto, presencial ou híbrido: a flexibilidade veio para ficar

De acordo com um estudo do IBRE-FGV publicado em 2023[1]; em 2021, 57,5% das empresas afirmaram ter adotado o modelo home office no Brasil, de forma total ou híbrida, com destaque para os setores da Indústria e Serviços. A estatística inclui também as empresas que já adotavam o modelo antes da pandemia.

Em outubro de 2022, porém, esse percentual já havia caído para 32,7%. Vale salientar que já existia uma diferença entre segmentos, com destaque para os Serviços de Informação e Comunicação: 89,5% das empresas ouvidas já adotavam algum grau de trabalho remoto, mas o número caiu para 74,2%.

Já segundo o estudo conduzido pela EY, 79% dos empregadores e 73% dos empregados afirmam que suas empresas foram bem-sucedidas ao operar em modelos de trabalho flexíveis, incluindo políticas claras e apoio para implementação.

O mesmo estudo aponta que apenas 16% dos empregados acreditam que o modelo 100% presencial é o melhor a seguir, com preferências bem distribuídas entre os modelos mais flexíveis.

Essas informações ilustram as mudanças. Em primeiro lugar, a ideia de um trabalho 100% remoto como novo padrão universal oriundo de 2020 deu lugar a uma tendência perene de flexibilidade, mas que não deve ser confundida como home office ou de interações totalmente digitais. Toda a ideia de trabalho remoto já foi modificada.

Antes da pandemia, muitas empresas tratavam o home office de apenas uma vez por semana como parte de uma proposta de benefícios, geralmente dos cargos de gestão para cima. Hoje, a ideia de flexibilidade é muito mais ampla e precisa ser protegida, englobando também profissionais com menos experiência.

Já sabemos que é possível gerir equipes à distância, mas também entendemos que cada empresa precisa olhar para dentro, a fim de encontrar seu próprio modelo orientado à produtividade e performance, sem perder de vista a agenda do wellbeing.

Nossa visão, dentro da EY, é a de que trabalhar 100% remoto é uma prática condenada e que deve ser substituída por uma flexibilidade que inclua o home office como componente, de modo aperfeiçoado. Flexibilidade vai muito além de simplesmente determinar em qual lugar a pessoa vai trabalhar.

Flexibilidade tem também a ver com o desafio constante de balancear as várias vidas dentro daquele comprimido de horas que os profissionais têm quando acordados, proporcionando às pessoas condições para que as várias dimensões de suas vidas possam ser atendidas com qualidade.

A agenda do wellbeing e a experiência do colaborador

Quem não se lembra das famosas "salas de descompressão" com um videogame à disposição, day-offs como premiação por metas batidas ou dos eventos de bem-estar oferecidos pelas empresas como benefícios? Hoje, esta agenda do wellbeing é muito mais ampla e merece ser protegida e aperfeiçoada.

Conectando-a à quarta tendência - da experiência do colaborador -, é óbvio que cai a visão de que o importante é trazer agrados para deixar as pessoas felizes. Esses dois conceitos devem estar conectados com as condições de performance e produtividade oferecidas a cada profissional.

Wellbeing não é montar uma sala com videogames para que as pessoas possam desopilar e voltar a uma rotina de trabalho extremamente estressante. O que precisamos para melhorar a experiência do colaborador é entender se cada um está confortável em relação aos objetivos da empresa e à sua capacidade de execução; bem como identificar o que pode estar atrapalhando, destravar gargalos e permitir que cada um consiga fazer o seu melhor.

Remover as lombadas e buracos das vias das pessoas é fundamental, sejam eles problemas de gestão ou tecnológicos, processos emperrados, rituais ou mesmo reuniões desnecessárias. Ouvir e incluir as pessoas, trazendo-as para a tomada de decisão, é muito mais impactante do que um pequeno bônus.

É evidente que encontrar um equilíbrio entre as demandas e garantir uma boa qualidade de vida está na lista de demandas básicas da maioria das pessoas. Ainda segundo o estudo da EY, hoje, 83% dos empregadores acreditam que seus funcionários têm uma carga de trabalho balanceada. Entretanto, a disparidade aparece, e 74% dos funcionários têm a mesma percepção sobre o seu volume de trabalho.

Considerando que aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros são acometidos pela Síndrome de Burnout segundo estudo da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (2023)[2], faz bastante sentido que30% dos empregadores e 39% dos empregados ouvidos pelo nosso estudo afirmem que o investimento em saúde mental é a iniciativa de wellbeing mais importante de suas empresas.

Crescimento da economia digital e demanda por habilidades digitais

Com o salto quântico em tempo recorde da digitalização da economia durante a pandemia, novas oportunidades de trabalho foram criadas em áreas como e-commerce, marketing digital, desenvolvimento de software, entre outras. Como consequência, aumentaram as demandas pelo domínio de ferramentas digitais e novas tecnologias que estão o tempo todo surgindo e se reciclando.

Na prática, porém, a velocidade de absorção exigida pelo mercado para que as pessoas adquiram expertise nessas ferramentas está numa velocidade muito maior do que o possível. Por outro lado, as próprias ferramentas vão ficando obsoletas rapidamente.

Como se não bastasse, certos frenesis e euforias criam expectativas irreais e ondas tecnológicas que podem não durar ou não ser a revolução anunciada em todos os níveis. Logo, é importante filtrar modismos e entender as necessidades reais, separando o joio do trigo dentro das organizações.

Somente isso levará a um investimento na educação que importa, não apenas em seguir tendências de mercado que tendem a estar exageradas; ou não fazer o mesmo efeito para todas as empresas ou áreas de atuação. Esse exercício constante de compreender o que cada empresa precisa nos leva a evitar desperdícios de tempo, verbas e de expectativas. O simples medo de ficar para trás não pode ditar regras e comportamentos empresariais.

Como estruturar condições para avançar na análise de dados? Como organizo os meus tantos dados coletados? Como secar meus pontos de captura? Vamos pegar o exemplo da inteligência artificial generativa. É bem provável que empresas e profissionais que não adotarem a IA percam competitividade, e isso deve ocorrer extremamente rápido.

Contudo, um mau uso da ferramenta pode colocar tudo a perder. Com tantos profissionais bombardeados constantemente por múltiplos estímulos que causam muita euforia, mas não ajudam a resolver problemas, o risco é fazer mau uso daquilo que conceitualmente é bom.

Talvez Elon Musk esteja realmente certo ao afirmar que a IA Generativa vai superar a capacidade de todas as pessoas inteligentes do mundo já em 2030.[3] Não obstante, qual o uso que estamos dando ao GenAIno nosso dia a dia? Será que estamos usando a ferramenta a nosso favor? Ou estamos subestimando a nós mesmos e à ferramenta?

É como sentar-se em frente a um gênio e perder tempo perguntando a ele se vai chover! Precisamos liberar tempo e espaço em nossas agendas - e em nossos cérebros - para conseguir formular as perguntas corretas, usar a tecnologia a nosso favor e buscar novas soluções.

Valorização do aprendizado contínuo

A demanda sobre a aprendizagem contínua é outro efeito da pandemia com duração de longo prazo. Ela não está apenas nas questões tecnológicas e ferramentais, mas em diversos tipos de conhecimento, já que a realidade é complexa e o futuro nos exigirá saberes que ainda não identificamos. Descobrir estes caminhos será fundamental.

Tanto para empresas de perfil industrial quanto para aquelas que tenham como foco gerar conhecimento e inovação, ou mesmo resolver problemas, precisaremos de foco em desenvolvimento de skills que não faziam parte da relação tradicional das companhias. A capacidade de resolver problemas e desenvolver um pensamento complexo, boa comunicação; organização; adaptabilidade e flexibilidade, aliada ao conhecimento técnico especialista, formam o que hoje conhecemos como power skills.

Profissionais que se entendam e se posicionem como lifelong learners serão os mais valorizados, principalmente se conseguirem atuar de forma construtiva mesmo longe de suas áreas técnicas de domínio.

Esses power skills aparecem desde o operador de máquinas que está lá na fábrica, até o líder de negócios, pois a todo momento nos aparecem problemas com componentes que jamais vimos.

Nesse sentido, a abordagem tradicional de uma trilha de conhecimento pré-determinado e linear definitivamente deixa de fazer sentido. Especialmente em mercados dinâmicos e complexos, com consumidores de expectativas distintas, preocupados com temas como responsabilidade social, sustentabilidade, energia renovável e toda essa temática em torno de ESG.

Mudanças nas estruturas organizacionais: empresas ágeis e estruturas horizontais

É importante contextualizar o desafio das metodologias ágeis, muito presentes nas empresas desde a pandemia. Em essência, essa foi uma forma encontrada por equipes de tecnologia para poder focar no desenvolvimento de soluções novas, sem ter de parar os desenvolvedores por conta de temas não relacionados ao objetivo do desenvolvimento.

Desse modo, monta-se as squads, que vão desenvolver uma funcionalidade ou um produto inteiro, sem trabalhar em mais nada além disso. Contudo, a verdadeira agilidade aplicada a todas as empresas é reconhecer excessos de informação e demandas que atrapalham entregas. Reuniões inúteis, por exemplo, são ineficazes. Esse entendimento ainda precisa mudar.

Outro ponto que chama atenção de 2020 para cá é que aumentou o número de empresas que se dizem horizontalizadas, ou seja, que garantem mais autonomia e poder de decisão aos colaboradores, maior tráfego e acessos internos, sem tantas barreiras hierárquicas.

Contudo, o dilema que as empresas precisam resolver é como combinar as decisões que vão vir dessa autonomia sem acabar com o conceito. Como tratar dessas decisões autônomas sem que, com isso,eu traga de volta o modelo de gestão que eu quero melhorar.

Os times nem sempre têm o entendimento claro que a horizontalidade funciona: ela tem que ser preservada para entrega da solução, do produto, melhoria da qualidade. Mas continua existindo uma estrutura verticalizada de decisão.

A lógica da tomada de decisões complexas e críticas continua dependendo de uma cadeia maior de pessoas, inclusive mais experientes e em posição para isso. A lógica da horizontalidade está mais conectada com a escolha de focos, de deixar as equipes com espaço e liberdade suficiente para produzir. Contudo, é importante operacionalizar corretamente esses combinados entre líder e liderado dentro da cultura da empresa, evitando mal entendidos.

Outro ponto que não pode ser perdido de vista é a conexão entre agilidade, inovação e entregas cada vez mais consistentes para o negócio e para clientes ainda mais exigentes e antenados aos desafios do mundo.

  • Mostrar referência do artigo#Ocultar referência do artigo

     
    [1] https://blogdoibre.fgv.br/posts/tendencias-do-home-office-no-brasil
     
    [2] https://jornal.usp.br/radio-usp/sindrome-de-burnout-acomete-30-dos-trabalhadores-brasileiros
     
    [3] https://www.ft.com/content/027b133f-f7e3-459d-95bf-8afd815ae23d

Resumo

Desde 2020, o mercado de trabalho passou por uma reestruturação profunda e contínua. A flexibilidade do trabalho híbrido, a valorização do bem-estar dos colaboradores, a busca por modelos de gestão eficazes e a crescente demanda por habilidades digitais e aprendizado contínuo são tendências que vieram para ficar. As empresas que souberem se adaptar a essas mudanças, equilibrando inovação e bem-estar, estarão melhor posicionadas para enfrentar os desafios futuros e aproveitar as oportunidades que surgirem.

Sobre este artigo

Por Oliver Kamakura

Sócio de Consultoria em Gestão de Pessoas da EY para o Brasil

Um sócio que se considera trainee, Oliver tem 16 anos de experiência em consultoria relacionada a pessoas pela EY.