Com a aprovação da reforma tributária, que deve ser promulgada nesta semana, as empresas precisam se movimentar para que estejam em conformidade com dois sistemas tributários diferentes que vão caminhar juntos durante o longo período de transição. Elas terão, ainda, de assimilar com agilidade e profundidade as regras do novo modelo para avaliar, por exemplo, se devem ser feitas alterações nos negócios, como o preço final dos produtos e serviços vendidos, além de alterações nas cadeias de produção e de logística.
“Como as organizações terão de conviver com dois sistemas tributários distintos, é preciso que elas mensurem desde já os efeitos em suas transações, seu reposicionamento estratégico na cadeia de valor, bem como suas capacidades tecnológicas e técnicas de responder adequadamente às oportunidades e à conformidade fiscal”, diz Waine Peron, sócio-líder de impostos da EY Brasil. “Muitas empresas já têm dificuldade de planejar sua estratégia e entregar todas as obrigações principais e acessórias em um único sistema. Para dois, o desafio fica maior, considerando, ainda, a necessidade premente de capacitar as pessoas envolvidas nesse trabalho, que precisarão gerar inteligência a partir da interpretação de dados para que a empresa possa aproveitar da melhor forma as vantagens de ambos os sistemas”.
Com o aumento do volume de obrigações tributárias, por causa dos dois sistemas paralelos, as empresas, ainda segundo Waine, devem buscar o máximo de automação possível com uso de conectores, aceleradores e habilitadores tecnológicos para função fiscal eficiente. “O protagonismo da área fiscal na estratégia corporativa virá do uso eficaz das ferramentas de inteligência artificial. Para que os profissionais de Tax possam se dedicar aos insights gerados pela IA, o movimento atual é de terceirização (ou outsourcing) das atividades do tributário que não envolvam tanto o estratégico, como apuração dos tributos e preparação de tax returns. Quem não fizer isso terá que lidar com uma quantidade enorme de atividades fiscais, que, na prática, serão duplicadas durante a transição”.
A reforma tributária substitui três tributos de competência federal (PIS, COFINS e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS) por dois tributos principais: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). O IBS substituirá o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviços). Já a CBS vai unificar as contribuições para o PIS (Programa de Integração Social) e a COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Destaque, ainda, para a criação do Imposto Seletivo, de competência federal, sobre bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Os novos tributos IBS e CBS fazem parte do modelo IVA (Imposto sobre Valor Agregado), usado em vários países, e têm como premissa a não cumulatividade plena do sistema, podendo ser compensados os valores devidos nas etapas anteriores da cadeia produtiva. O período de transição para que essas modificações sejam totalmente implementadas é de sete anos, começando em 2026 e terminando em 2032. “O IVA dual, por meio do IBS e da CBS, objetiva neutralizar os resíduos tributários causados pelo efeito cascata e traz maior transparência em relação ao modelo de hoje porque é calculado sem o chamado gross up, permitindo a consumidores e empresas entender melhor quanto pagam de tributos”, diz Waine.
Benefícios fiscais
A retirada gradual dos incentivos fiscais, com sua extinção em 2033, vai fazer com que as organizações repensem seus modelos de negócio, como o posicionamento da cadeia produtiva e da malha logística.
“Muitas empresas estão em locais com custo logístico mais alto, mas que é compensado pelos benefícios fiscais. Quando esses incentivos acabarem, o custo logístico vai ter um grande peso na operação, forçando a empresa a repensar seu modelo operacional”, explica Phelippe Grande, sócio de tributos indiretos da EY Brasil. Isso pode fazer, ainda segundo o executivo, com que a empresa opte por estar mais próxima do seu mercado consumidor, deslocando assim seus centros de distribuição ou pontos de venda para esses estados, já que os mais distantes não terão mais o atrativo do incentivo fiscal para oferecer.
“É preciso, ainda, considerar o ambiente digital cada vez mais adotado por todos os tipos de indústria para geração de negócios. Com a reforma tributária, o sentido da tributação passou a ser no destino, e não mais na origem, motivo pelo qual é preciso que a análise estratégica também contemple esse ponto, analisando inclusive suas implicações em relação às vendas online”, destaca Phelippe.
Dentro do novo sistema, o IPI será mantido, para diferenciar produtos fabricados na Zona Franca de Manaus.
Formação de preço
O novo sistema tributário, incluindo o período de transição, trará efeitos financeiros para as empresas, independentemente do seu setor de atuação. Na avaliação de Waine, é preciso conhecer a carga tributária para determinar os reais impactos do novo modelo do IVA dual. “A formação de preço está incluída nesse processo, entendendo como possível variação da carga tributária impactará os preços relativos dos insumos ou das matérias-primas e das cartelas de produtos e serviços das empresas. Nesse contexto, é desejável que as organizações façam um estudo sobre os impactos que a reforma tributária trará na formação dos seus preços e na margem adotada”, afirma.
É preciso verificar, ainda, o efeito colateral que essa formação dos preços, especialmente em relação à importação e exportação, vai gerar nos preços de transferência. A partir de 2024, as novas regras do preço de transferência alinhadas com as da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) serão obrigatórias no Brasil.
Créditos acumulados
Outra ação urgente por parte das empresas é elaborar um plano de monetização de créditos acumulados. Esse plano vai desde o uso dos instrumentos da legislação, pedindo ressarcimento por todos os meios possíveis, como via reestruturação societária ou logística estratégica, até a formação de joint venture com fornecedores/clientes para unir forças com quem tem débito desses tributos, criando dessa forma negócios que tenham simetria e que possam viabilizar a monetização dos saldos credores.
“Esse tema precisa estar na agenda do C-Level desde agora para transformar em dinheiro esses créditos o mais rápido possível. Lembrando que, em 2033, ICMS, PIS e COFINS não existirão mais, correndo o risco de a empresa, se não fizer esse trabalho, ter dificuldade para obter esses créditos, já que precisará pedir para o governo ressarcir, o que significa incerteza sobre como se dará esse processo”, observa Rogério Gomes, associate partner de impostos da EY Brasil.
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