Depois de se demitir da General Electric, Henry Ford passou 20 anos pesquisando o que a Ford Times (uma publicação da já extinta Ford Motor) descreveu em 1915 como uma contribuição para a “renovação da vida social do país”.[1] O Modelo T foi uma contribuição radical para essa renovação, que não foi motivada pela maximização do lucro dos acionistas.
Hoje, as empresas que mudam o status quo são oligopólios desafiadores, trazendo novas proposições de valor para mercados estabelecidos e, até mesmo, criando mercados que ainda não haviam sido pensados ou estruturados.
Embora mentalidades e estratégias orientadas por propósito sejam mais comuns em organizações em início de trajetória ou ainda lideradas por seus fundadores, CEOs de grandes corporações estão trilhando o caminho guiado pelo propósito de forma acelerada. Alguns são motivados por uma crença genuína no efeito transformativo de geração de valor de um propósito bem definido e efetivo. Outros estão reagindo à crescente pressão dos consumidores e à necessidade de mostrar como suas empresas estão gerando benefícios à sociedade.
Propósito em tempos de pandemia
O surto da COVID-19 e suas consequências dramáticas para as sociedades no mundo todo aceleraram a necessidade de um novo compromisso corporativo. Empresas de todos os setores tiveram que agir e dar suporte aos funcionários, seus familiares e às comunidades, ao mesmo tempo em que enfrentaram a enorme ruptura social e econômica causada pela pandemia.
Em 2020, diferente de crises anteriores, vimos uma mudança substancial nos comportamentos das empresas. Muitas enfatizaram a realização de seu propósito, ao invés de focarem apenas no desempenho financeiro de curto prazo. Desde ajudar a garantir a segurança dos funcionários e reconfigurar as cadeias de fornecimento para se tornarem mais sustentáveis, até oferecer prazos de pagamento mais generosos para os clientes ou apoiar a comunidade com os produtos certos e conhecimento no combate à pandemia. A crise da COVID-19 facilitou o entendimento de que as empresas têm uma responsabilidade expandida. É difícil sobreviver e prosperar sem considerar todos os stakeholders.
Embora muitas empresas tenham abraçado a solidariedade e demonstrado vontade em atender às necessidades da sociedade, outras encontraram inspiração nos sentimentos e hábitos dos consumidores que emergiram dessa crise. O Índice do Consumidor Futuro EY[2] apontou que 83% dos consumidores brasileiros acreditam que o comportamento da marca é mais importante do que o produto que ela vende. No mesmo estudo, consumidores afirmaram que as ações das empresas durante a pandemia influenciaram suas preferências de compra: 75% disseram preferir comprar de empresas preocupadas em impactar a sociedade positivamente. Além disso, 72% citaram empresas que procuram agir para ajudar as comunidades. Os dados também sugerem que essa nova mentalidade do cliente deve continuar: 50% dos participantes continuarão a comprar exclusivamente de marcas com valores alinhados aos seus valores pessoais.
O propósito da Unilever e sua capacidade multiplicadora
Ao se tornar CEO da Unilever em 2010, Paul Polman trouxe uma abordagem de liderança transformativa ao fazer do propósito a prioridade corporativa da empresa. O propósito na Unilever se materializou no Plano de Sustentabilidade da Unilever (USLP), que procura melhorar a vida de milhões de pessoas e reduzir o impacto ambiental dos seus produtos na cadeia de valor, por meio de uma carteira de marcas orientadas pelo propósito. Hoje, o foco em “popularizar a vida sustentável[3]” continua a ser a Estrela Guia da empresa. Alan Jope, o atual CEO, apostou recentemente na estratégia bem-sucedida e reafirmou que a Unilever continuaria a reformular sua carteira com base em seu propósito: “Nós iremos excluir marcas que sentimos não serem capazes de representar algo mais importante do que apenas deixar o seu cabelo brilhante, sua pele macia, suas roupas mais brancas e sua comida mais saborosa” (palavras proferidas durante o evento Cannes Lions).
Como em muitas corporações multinacionais, o propósito tem desempenhado um papel central na estratégia corporativa da Unilever por mais de uma década. Pouquíssimas empresas globais incorporaram o propósito em todos os seus processos de tomada de decisão, desde a cadeia de fornecimento até o desenvolvimento de novos produtos. Os resultados de uma estratégia orientada pelo propósito são visíveis: em 2018, as 28 marcas voltadas para a sustentabilidade da Unilever — representando produtos que colaboram com mudanças positivas para as pessoas e o planeta — cresceram 69% mais rapidamente do que o restante do negócio, um aumento de 46% em 2017, representando 75% do crescimento total da companhia[4].
A Unilever não apenas entende o papel que pode desempenhar na melhoria da vida de muitas pessoas, mas também a necessidade de estimular um ecossistema mais amplo para melhorar a vida dos pequenos, médios e grandes empreendedores, seus negócios e as experiências de seus consumidores. Recentemente, a Unilever Brasil iniciou um programa exclusivo com a equipe da EY-Parthenon para auxiliar seus parceiros varejistas a encontrarem, esclarecerem ou renovarem seus propósitos. O objetivo é impactar positivamente milhares de empreendedores e profissionais do ecossistema varejista brasileiro e um número significativo de consumidores nas comunidades atendidas por eles.
O parceiro selecionado para iniciar o programa foi o Grupo Muffato. Um dos varejistas mais inovadores e em mais rápida expansão do Brasil, o Grupo foi escolhido por possuir valores sólidos e atuar com base neles desde o início de suas operações. A premissa é que valores sólidos podem criar a espinha dorsal de estratégias orientadas pelo propósito e melhorar o impacto no ecossistema.
Grupo Muffato, uma história conduzida por valores sólidos
O Grupo Muffato é uma das maiores redes de hipermercados e supermercados do Brasil e começou nos anos 70 com um pequeno armazém na região sul do país.
Guiado pelo trabalho e pela disciplina, os três filhos do fundador assumiram a empresa e continuaram a seguir os valores fundamentais de seu pai: a) o cliente em primeiro lugar — construir continuamente um relacionamento especial com o cliente; b) meritocracia em primeiro lugar — reconhecer o valor dos esforços de todos e distribuir os lucros com a equipe; c) criar um espaço excepcional para o crescimento dos funcionários e para a melhoria de suas vidas; e d) sempre procurar surpreender os clientes com uma nova experiência.
Com base nesses valores, os três irmãos aceleraram o crescimento e a transformação nas três décadas seguintes, aumentando para 16 mil o número de funcionários e se tornando uma das empresas mais inovadoras no varejo brasileiro. No entanto, esse crescimento acelerado impôs um desafio para a companhia: como transformar seus valores intrínsecos, mentalidade de liderança e DNA organizacional — o “tempero secreto” do Grupo Muffato — em algo mais explícito, escalonável e fácil de entender para os stakeholders da empresa em todas as suas operações no Brasil.
O programa da Unilever ajudou nesse desafio. Um propósito claro, bem definido e fácil de comunicar pode se tornar a pedra angular da estratégia de crescimento do Grupo Muffato no futuro – uma maneira de expandir o negócio de forma sustentável e ainda permanecer conectado com seus valores originais e profundamente enraizados.
A Unilever Brasil, com o apoio do conhecimento e da metodologia estruturada da equipe da EY-Parthenon, elaborou e lançou um exercício para reavaliar o raison d'être do Grupo Muffato, suas crenças, valores e impacto em seus stakeholders. Esse processo de avaliação detalhada capturou as percepções dos diversos grupos de interesse dentro e fora da companhia — funcionários, fornecedores, executivos e clientes — por meio de entrevistas, pesquisas e workshops. Com esses dados, a equipe da EY-Parthenon pôde ajudar a companhia a identificar: a) um conjunto explícito de valores enraizados na organização; b) os comportamentos únicos que constituem “o jeito de ser Muffato”; e c) os componentes-chave do propósito futuro.
A metodologia da EY-Parthenon permitiu uma construção paralela de baixo para cima (trabalhadores da linha de frente) e de cima para baixo (líderes), para capturar as perspectivas para delinear os três pontos mencionados acima. Algumas das perguntas para “ajuste futuro” foram: os valores, comportamentos e componentes do propósito de hoje funcionariam para o Grupo Muffato daqui a 10 anos? Falta alguma coisa? A discussão sobre o futuro foi igualmente importante para que os líderes pensassem sobre como poderiam ajustar as mensagens estratégicas para os diversos stakeholders, ajudando a garantir que eles permaneçam relevantes e exclusivos para o mercado brasileiro nos próximos anos.