As organizações estão cada vez mais atentas a situações de violência entre seus colaboradores. O incentivo a um ambiente de trabalho decente (digno, seguro e saudável) faz parte da agenda global dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU (Organização das Nações Unidas), que reúne os desafios de desenvolvimento enfrentados no Brasil e em outros países, dependendo, para que sejam superados, do engajamento de governos e empresas.
Além disso, a agenda ESG tem sido direcionada para o social por meio da melhora das condições de trabalho dos colaboradores. No estudo Sustainability and ESG Trends Index, da EY, dos 500 líderes C-Level e membros da diretoria executiva entrevistados, provenientes de empresas dos EUA com pelo menos US$ 1,5 bilhão de faturamento que integram o ranking da Fortune 1000, 61% disseram que endereçar as condições de saúde do colaborador e seu bem-estar é fundamental para o sucesso das organizações.
No entanto, nessas investigações de violência no trabalho, muitas empresas têm utilizado uma abordagem que ainda carece de protocolos e políticas adequados e específicos para lidar com esses temas próprios da relação entre os colaboradores. “Quando há uma crise de confiança nas políticas de governança corporativa, incluindo nos protocolos de resposta às denúncias, percebemos que o assunto vem a público nas redes sociais por meio dos denunciantes. É o chamado leaking is the new whistleblowing em inglês ou vazamento é a nova denúncia na tradução para o português”, diz Paulo Tavares, sócio da área de Forensic & Integrity Services da EY. “Também por esse motivo, há uma preocupação do mercado com o desenho de protocolos que acolham rapidamente a suposta vítima e de forma efetiva, endereçando questões de integridade física e psicológica, enquanto a investigação é conduzida internamente”, completa.
A violência no âmbito do trabalho reúne alegações divididas em sexuais e não sexuais. No primeiro grupo estão assédio sexual, importunação sexual e estupro. Já no segundo, além de trabalho análogo à escravidão e trabalho infantil, aparecem assédio moral, agressão, racismo e todas as formas de discriminação, que podem ser, entre outras, em relação ao gênero, orientação sexual, religião e deficiência.
Confira abaixo a entrevista concedida por Paulo Tavares, sócio da EY.
Quais são as condutas de violência investigadas pelas empresas?
PAULO: As chamadas workplace violence investigations (investigações de violência no ambiente de trabalho) não se limitam a possíveis crimes como os sexuais e não sexuais já citados. Esse trabalho também é feito em relação a condutas não éticas e que não são, portanto, adequadas para o ambiente de trabalho.
Há muitos comportamentos que, embora não configurem tipos penais, já foram reconhecidos pelas autoridades brasileiras e estrangeiras como constrangedores e inadequados. Exemplos comuns são retirar a autonomia, o cargo e as funções de um colaborador; ignorar sua presença; isolá-lo da equipe; gerar sobrecarga de trabalho para ele; evitar comunicação direta; e vigiá-lo excessivamente. Há, ainda, a discriminação positiva, que é o elogio inadequado sobre a forma do corpo de outra pessoa.
Alguns anos atrás, as investigações eram feitas apenas quando havia indícios de crime. Agora, com base em uma responsabilidade abrangente, chamada de social empresarial, que congrega a econômica, a legal e a ética, as empresas estão tomando essa decisão com base também em aspectos morais. Mesmo que não tipificada penalmente, determinada conduta pode ser investigada no caso de ir contra a moral ou a ética, ferindo os bons costumes e as práticas de governança corporativa.
Como se dá essa investigação?
PAULO: Muitas empresas ainda conduzem como qualquer outra, com entrevistas e coleta de celular e notebook dos envolvidos, que ficam em espera até que a investigação seja concluída, o que costuma demorar meses. Nesse período, a suposta vítima não recebe assistência. As organizações começaram a perceber que há necessidade de outro protocolo. Ou seja, a condução da investigação de violência no trabalho deve ser diferente daquela adotada em relação à corrupção.
Nesse novo modelo de investigação, a suposta vítima é colocada no centro, com um protocolo específico para atendê-la a partir do recebimento da denúncia. Se o resultado confirma a alegação, a vítima já recebeu a atenção necessária. Se não confirma, há o desdobramento para entender se a pessoa agiu de má-fé ou se não foi possível confirmar pela ausência de provas sobre o ocorrido. Em relação a esse segundo ponto, os colaboradores devem ser educados sobre como fazer a denúncia corretamente. Para isso, é imprescindível anotar, entre outras informações, quem estava presente no evento denunciado, a conduta inadequada em detalhes, além de hora e data.
Como acolher a suposta vítima enquanto a investigação está sendo feita? O que as investigações precisam considerar?
PAULO: A equipe que faz esse trabalho precisa ser tecnicamente preparada, estabelecendo rapport (criando relação empática), por meio das seguintes atividades principais: ouvindo atentamente; oferecendo apoio; trabalhando com pausas durante o processo e nas conversas; e disponibilizando recursos psicológicos e médicos. A investigação precisa considerar, entre outros aspectos, contexto de trabalho; perfil organizacional; histórico profissional dos envolvidos; e, se possível, histórico de absenteísmo e saúde da suposta vítima.
Nenhuma decisão deve ser tomada sem que o denunciado tenha pleno conhecimento dos fatos. As declarações do denunciante precisam ser anonimizadas para que sejam compartilhadas com o investigado. Geralmente, considerando os resultados mais comuns de investigações anteriores, o agressor não nega, mas racionaliza, apontando o estresse causado pela cobrança do seu superior imediato como justificativa do comportamento inadequado.
É importante observar que não estamos falando apenas de líder em relação a subordinado, podendo a conduta inadequada ocorrer entre profissionais do mesmo nível hierárquico na organização ou, ainda, embora menos frequente, de subordinado em relação ao seu líder ou gestor. A consequência também não é sempre demissão, com exceção dos casos comprovados de crime. Isso significa que há geralmente um trabalho de treinamento e de conscientização dos envolvidos ou, ainda, a possibilidade de uma mediação do conflito para que as partes se entendam e convivam melhor.