Modelo societário cada vez mais adotado, a SAF (Sociedade Anônima do Futebol), regulamentada pela Lei 14.193/2021, é uma oportunidade de evolução na governança dos clubes brasileiros. A migração do modelo associativo sem fins lucrativos para SAF traz a necessidade de contar com conselhos fiscal e de administração, órgãos de existência obrigatória e funcionamento permanente, além de contemplar medidas para maior transparência e redução de possíveis conflitos de interesse entre as partes envolvidas.
“Há uma mudança de mindset dos clubes que já fizeram essa transição para SAF. No modelo associativo, a visão era de curto prazo, com muitas discussões políticas internas que prejudicavam a própria administração do clube, especialmente em anos de eleição da presidência, com divergências entre os diferentes grupos de poder. Na SAF, o planejamento é feito de médio a longo prazo, com uma gestão técnica e voltada para a sustentabilidade financeira”, explica Pedro Daniel, diretor-executivo de Esporte e Entretenimento da EY Brasil. “Os clubes que se converteram em SAF aprovaram essa modalidade em assembleia. Eles se tornaram sócios minoritários da SAF, já que o investidor que está aportando os recursos detém o controle dela”.
Além dessas obrigações de governança, a SAF prevê incentivos fiscais, o que significa que os clubes-empresas inseridos nessa modalidade gozam de tributação favorecida. O recolhimento dos tributos se dá por meio do RTEF (Regime Tributário Específico do Futebol), uma metodologia inspirada no Simples Nacional que unifica o pagamento do PIS, COFINS, IRPJ, CSLL e contribuição previdenciária por meio de uma alíquota única de 5% sobre a receita mensal recebida pela SAF. As receitas de cessão dos direitos desportivos dos atletas não são tributadas pela RTEF nos primeiros cinco anos da SAF. Elas são adicionadas à base de cálculo após o sexto ano de constituição da SAF – quando a alíquota mencionada é reduzida para 4% da receita mensal. A venda de atletas constitui a principal fonte de arrecadação de muitos clubes, que aguardam com ansiedade todos os anos a abertura da janela europeia de transferências para concretizar essas negociações.
Novo ciclo de adesão à SAF
Os clubes em situação de dificuldade financeira foram os primeiros que se transformaram em SAF, como Botafogo, Cruzeiro e Vasco. O saneamento das suas contas representou a principal motivação para isso, já que enfrentavam dificuldades com elevado nível de endividamento. Nesse contexto, para adoção da SAF, o planejamento de médio a longo prazo ficou em segundo plano, assim como o pensamento estratégico para encontrar a melhor proposta de investimento para esse período mais à frente.
“Agora, como parte do segundo ciclo, estamos vendo clubes, como o América Mineiro e o Athletico Paranaense, que estão analisando os sócios que se encaixam com suas estratégias de negócio para alcançar patamar superior no futebol brasileiro. A SAF está sendo vista muito mais como uma alavanca de crescimento desses clubes do que como uma necessidade de sobrevivência. É a desejada visão de longo prazo nessa movimentação tão estratégica que define o futuro da agremiação”, avalia Daniel.
Valorização do produto futebol
O modelo de clubes-empresas potencializado pela SAF, aliado à criação de uma liga independente de clubes, poderá proporcionar melhores práticas de governança e deve propiciar um ambiente de negócios mais profissional no futebol brasileiro, possibilitando assim que se aproxime dos melhores exemplos de indústria do futebol observados nos grandes centros europeus, como Reino Unido, Espanha e Alemanha.
“Ainda vemos clubes aqui no Brasil adiantando as receitas dos direitos de transmissão que entrariam apenas nos próximos anos para pagar despesas atuais do dia a dia, como salários dos jogadores”, relembra Daniel. “Na SAF, com uma visão empresarial, há melhor entendimento de que os direitos de transmissão representam apenas uma das fontes de arrecadação, havendo a busca incessante pela exploração de outras possibilidades de receita, como expansão do programa de sócio-torcedor; melhor exploração do matchday (dia de realização do jogo); venda criteriosa dos atletas, exigindo valor maior por eles; aluguel do estádio para eventos; criação de novas propriedades comerciais e licenciamento de produtos”.
Na visão do especialista da EY, o fortalecimento dos clubes de forma geral, sendo grandes, médios ou pequenos, fará com que o produto futebol seja mais valorizado, o que refletirá na geração maior de receitas, incluindo aumento dos ganhos com direitos de transmissão. No ano passado, de acordo com levantamento da EY divulgado recentemente, a receita chegou a R$ 8,1 bilhões, considerando os times que disputaram as séries A e B do campeonato brasileiro e que disponibilizaram as demonstrações financeiras nos seus sites até o lançamento do relatório. Em relação a 2021, as dívidas tributárias desses clubes aumentaram 8%, e os empréstimos, 19%. Já o endividamento líquido ficou 9% maior. Entre 2013 e 2022, a evolução do endividamento foi de 95%.