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Implementação da Circular 666/2022 da SUSEP: lições aprendidas, desafios e perspectivas para o futuro

Neste artigo, apresentamos uma visão da EY a respeito das lições aprendidas e dos desafios no processo de implementação da Circular SUSEP 666/2022.


Em resumo

  • Este artigo apresenta uma visão da EY a respeito das lições aprendidas e dos desafios no processo de implementação da Circular SUSEP 666/2022 no mercado segurador brasileiro
  • A estrutura do texto é organizada segundo os pilares da circular SUSEP 666/2022, compreendendo a Política de Sustentabilidade, a Gestão dos Riscos de Sustentabilidade e o Relatório de Sustentabilidade
  • Além das lições aprendidas, o texto contribui com reflexões e perspectivas de desenvolvimento futuro acerca do tema.

A.      Sumário Executivo

A proposta deste material é compartilhar as reflexões com o mercado segurador e contribuir para o desenvolvimento do tema.

O setor segurador brasileiro não contava com uma regulação específica sobre sustentabilidade antes da publicação da Circular 666/2022 pela SUSEP. Nesse sentido, as práticas de gestão de sustentabilidade, inclusive no âmbito da gestão de riscos, eram reflexo de iniciativas das próprias Seguradoras[1], quer pela influência das práticas de seus acionistas/matrizes, quer pela necessidade da perenidade do negócio.

Desde a publicação em 2022, várias etapas da implementação foram percorridas e, hoje, espera-se que as Seguradoras possuam políticas de sustentabilidade e estudos de materialidade que integrem os riscos à sua Estrutura de Gerenciamento de Riscos (EGR), estabelecendo diversos critérios e procedimentos. Ao final desta jornada, as Companhias deverão publicar seus relatórios de sustentabilidade, dando maior transparência sobre sua integração tanto no negócio quanto no gerenciamento do risco, seguindo minimamente os prazos definidos pelo regulador.

A implementação representa um marco na integração da sustentabilidade no gerenciamento de risco das Seguradoras. Neste percurso, várias lições foram aprendidas e destacamos algumas delas:

  1. A necessidade de articulação entre áreas de riscos, sustentabilidade e negócios para elaboração da materialidade financeira;
  2. O desafio de desenvolver visões prospectivas e usar cenários para avaliar os riscos de sustentabilidade, especialmente o risco climático;
  3. A dificuldade de identificar e registrar perdas de sustentabilidade na falta de uma taxonomia consolidada e padronizada no mercado, para citar apenas alguns aspectos.

Em um olhar retrospectivo, foram diversos os avanços. No entanto, os desafios são amplos e a jornada está apenas começando. O trágico evento climático no Rio Grande do Sul confirma irrefutavelmente a complexidade e a importância do tema, desde já ensejando o mercado a acelerar ações visando a proteção de pessoas e a resiliência do negócio.

B) Relembrando a Circular SUSEP 666/2022

As práticas ESG no setor financeiro brasileiro vem ganhando relevância crescente, impulsionada pelos reguladores que desafiam as entidades a incorporarem normas ESG em seus arcabouços de regulação e supervisão, seja no mercado bancário, de seguros ou de capitais.  
Nesse contexto, a SUSEP, por meio da Circular SUSEP 666/2022, introduziu requisitos mínimos a serem adotados pelas Seguradoras sob vários aspectos de sustentabilidade. 

Box: Exigências da Circular SUSEP 666/2022[2]

Política de Sustentabilidade: deve ser estabelecida política de sustentabilidade com princípios e diretrizes garantindo que aspectos de sustentabilidade sejam considerados na condução de negócios e relacionamento com as partes interessadas. Deve ser compatível com o porte, a natureza e a complexidade das operações, sendo registrada formalmente por escrito e divulgada ao público interno e externo, com aprovação pelo órgão de administração máximo da supervisionada.

Gestão dos Riscos de Sustentabilidade: a gestão dos riscos de sustentabilidade deverá ser compatível com o porte da supervisionada, a natureza e a complexidade de suas operações e a materialidade dos riscos de sustentabilidade que se encontra exposta, devendo implementar: estudo de materialidade; integração dos riscos de sustentabilidade na Estrutura de Gerenciamento de Riscos e Sistemas de Controles Internos (EGR/SCI); limites e restrições; metodologias quantitativas; base de perdas de sustentabilidade; critérios e procedimentos de subscrição, investimentos e fornecedores em face dos riscos de sustentabilidade materiais identificados.

Relatório de Sustentabilidade: apresentar as ações e os resultados obtidos, dentre outros aspectos relevantes da gestão de riscos de sustentabilidade, referentes ao exercício anterior à publicação. Para conhecimento público, o relatório deve ser divulgado anualmente no sítio eletrônico. Deve ainda utilizar padronização das Tabelas do Relatório, conforme Manual de Orientações SUSEP, e ser aprovado pelos Diretores intervenientes, inclusive o de Controles Internos, e com a ciência dos órgãos de Governança da supervisionada.

Os prazos de adaptação foram estabelecidos com base no segmento das supervisionadas[3] e em macro etapas de implementação, conforme o quadro abaixo. Na prática, seguindo os marcos regulatórios, as políticas de sustentabilidade e as ações previstas para gestão dos riscos de sustentabilidade devem estar implementadas por Companhias de todos os portes, restando a base de perdas de sustentabilidade, prevista para junho/2024, para Companhias S1 e S2, e o Relatório de Sustentabilidade, com prazos de junho/2024 para as S1 e junho/2025 para as Companhias dos demais segmentos.

A partir da primeira publicação do seu Relatório de Sustentabilidade, i.e., passada a fase de adaptação, as supervisionadas terão até abril de cada exercício para divulgar seus relatórios.

 

C.      Lições Aprendidas e Desafios até o Momento

A partir da nossa experiência junto ao mercado segurador, destacamos as principais lições aprendidas e desafios enfrentados, a fim de contribuir para reflexões e perspectivas de desenvolvimento futuro acerca do tema.

i)      Estudo de Materialidade

A Circular SUSEP 666/2022 determina que as entidades devem elaborar estudo de materialidade para identificar, avaliar e classificar os níveis de risco e sua materialidade, considerando as características do seu modelo de negócio (ecossistema, produtos, serviços, operações etc.).

O estudo é o elemento central a partir do qual todos os demais requisitos, como a “Integração à Estrutura de Gestão de Riscos e ao Sistema de Controles Internos”, deverão se relacionar.

Nesse sentido, destacamos 5 aspectos:

  • Ênfase na materialidade financeira: antes da publicação da Circular, observávamos análises de materialidade com maior ênfase no inside-out, i.e., avaliando o impacto da Seguradora sobre o ambiente externo, sendo utilizada principalmente como insumo para elaboração da estratégia e do Relatório de Sustentabilidade da entidade. Nesta nova fase, os estudos de materialidade foram construídos/revisitados com ênfase no outside-in, i.e., avaliando os impactos do ambiente externo sobre a Seguradora. Essa mudança de perspectiva abriu espaço para uma forte colaboração e articulação entre as áreas de risco, sustentabilidade e negócios em prol de uma visão estruturada do grau de exposição dos riscos de sustentabilidade e das oportunidades para o negócio.
  • Perfil dos riscos de sustentabilidade: riscos relacionados ao compliance ambiental como, por exemplo, trabalho análogo à escravidão, e riscos climáticos físicos agudos, como o de alagamentos e secas, de algum modo faziam parte do escopo de gerenciamento de riscos, principalmente na ótica de restrições e de limites, respectivamente. Por outro lado, riscos mais incipientes ou com um horizonte mais abrangente, que afetam a resiliência do negócio, como os climáticos de transição e crônicos, são menos tangíveis e conhecidos. Neste contexto, o estudo abriu espaço para reflexões e discussões técnicas com oportunidades de aprofundamento e constante desenvolvimento.
  • Classificação dos riscos: diante deste desafio, dois aprendizados se destacaram, sendo um de ordem metodológica e outro referente à disponibilidade de dados. Em termos metodológicos, em vários casos, foi necessário estabelecer critérios de classificação dos níveis de risco mais aderentes à natureza dos riscos de sustentabilidade. Adicionalmente, também foi possível observar a importância do uso de fontes externas de informações para a avaliação dos riscos, além de melhorias nas fontes internas. Esta última, mais relacionada à captura de informações relevantes para a gestão do risco, a exemplo da identificação da causa raiz em sinistros ligados aos riscos com fatores associados à sustentabilidade.
  • Potencial subjetividade no risco reputacional: em muitos casos, os riscos de sustentabilidade estão intimamente relacionados aos riscos reputacionais, de modo que a avaliação e a classificação podem recair em território mais subjetivo, demandando maior discussão entre as áreas, bem como o desenvolvimento de metodologias para avaliação desta categoria de risco.
  • Avaliação da materialidade poderá variar entre as entidades: a SUSEP estabelece que a definição de riscos materiais depende de parâmetro de materialidade a ser definido por cada entidade. Dessa forma, apesar de fatores de riscos impactarem potencialmente mais de uma entidade no mercado, os riscos possuem níveis distintos entre elas, seja pelo contexto de negócio, que inclui a própria gestão destes riscos (ex.: estratégia de mitigação, controles etc.), seja pelo critério da materialidade adotado. 
     

ii)      Integração EGR e SCI

A Circular 666/2022 determina que a gestão dos riscos de sustentabilidade deve estar inserida no contexto geral do Sistema de Controles Internos (SCI) e da Estrutura de Gestão de Riscos (EGR). Assim, as entidades devem adotar metodologias, processos, procedimentos e controles específicos para identificar, avaliar, classificar, mensurar, tratar, monitorar e reportar, de forma tempestiva, os riscos de sustentabilidade a que se encontram expostas. 

Nesta frente, destacam-se os seguintes aspectos:

·       Ciclo de gestão de riscos: de modo geral, nem sempre os riscos de sustentabilidade estavam incorporados ao ciclo de gestão de risco das entidades, seja em função de ausência de identificação prévia ao estudo de materialidade, seja pela ausência de vinculação do risco de sustentabilidade a uma categoria tradicional existente (Subscrição, Operacional etc.). Nesse sentido, abriram-se oportunidades de melhorias na EGR/SCI em diversas frentes adjacentes, como a de taxonomia de riscos e a própria matriz de riscos e controles.

 

·       Interação entre as linhas: as áreas de 2ª linha precisaram avaliar com maior profundidade os mecanismos adotados pelas áreas de 1ª linha para mitigar e controlar todos os riscos de sustentabilidade identificados, o que demandou grande interação entre essas áreas. Pudemos observar que esses processos estavam mais vinculados aos impactos financeiros sobre as categorias tradicionais de riscos, sendo igualmente importante a avaliação sobre como os riscos de sustentabilidade poderão afetar a estratégia e a resiliência do negócio no médio e longo prazo.

·       Inclusão de novos indicadores: o monitoramento de indicadores e a elaboração de reportes de risco não tratavam inicialmente dos riscos de sustentabilidade de forma objetiva ou destacada, fato que abriu diversas oportunidades no desenvolvimento e aprimoramento acerca da definição das métricas e sua incorporação nos reportes atuais, principalmente daqueles apontados como materiais no estudo.

·       Processos mínimos observados: a Circular estabeleceu que as entidades devem incorporar critérios e procedimentos na gestão de riscos de sustentabilidade em pelo menos três processos principais das supervisionadas: precificação e subscrição de riscos, seleção de investimentos e gestão dos fornecedores.

 

o   Precificação e subscrição: os riscos de sustentabilidade influenciam os critérios de precificação e subscrição, considerando determinados atributos/condições por linha de negócio e região geográfica, a exemplo das questões climáticas. Nesse sentido, a fim de melhorar a compreensão desta influência no processo, foi fundamental ampliar o uso de fontes internas e externas, expandindo o conhecimento acerca dos riscos e, consequentemente, de seus mitigadores (condições, produto, limites, restrições etc.). Também são comuns os critérios associados a temas reputacionais em detrimento daqueles puramente financeiros, principalmente na subscrição.  

Gestão de fornecedores: de forma geral, a homologação de parceiros de negócios inclui critérios mínimos para aceitação na contratação, com ênfase em riscos ligados ao compliance socioambiental e governança, sendo os aspectos climáticos mais incipientes. Tipicamente, as Seguradoras possuem critérios para análise de riscos dos fornecedores, como matriz de riscos e nível de criticidade dos serviços. As oportunidades de melhoria na gestão de fornecedores incluíram o aprimoramento da gestão de riscos de sustentabilidade, além do compliance socioambiental na homologação, incorporando critérios que o  consideram a criticidade do risco e a natureza do serviço prestado, com possibilidade de expandir a análise deste risco em toda a cadeia de valor.

o   Seleção de investimentos: considerando que a carteira de investimentos das Seguradoras está focada principalmente em títulos públicos, a exposição a riscos de sustentabilidade é mais limitada. Não obstante, suas políticas e normas de investimento geralmente mencionam a integração de riscos de sustentabilidade, ainda que possam apresentar de forma mais clara os critérios e eventuais restrições, e ampliar a integração com as equipes de riscos e de sustentabilidade. Adicionalmente, um dos grandes desafios observados continua sendo avaliar a magnitude (e duração) do impacto na materialização de riscos de sustentabilidade sobre seus ativos. Nesse contexto, deve-se avaliar metodologias que melhor reflitam este risco em função da materialidade do tema.

·       Aplicação de limites e restrições: a SUSEP determinou que as entidades devem estabelecer limites para concentração de riscos e/ou restrições para a realização de negócios que considerem a exposição de setores econômicos, regiões geográficas, produtos ou serviços a riscos de sustentabilidade.

Em função da natureza do negócio de seguros, a utilização de limites e restrições nos processos de precificação e subscrição, gestão dos fornecedores e investimentos é uma prática bastante comum. Cada qual dependendo do modelo de negócio das supervisionadas. Tipicamente, as restrições (parciais e completas) estão mais ligadas a aspectos de compliance socioambiental, assim como limites relacionados sejam aplicados no processo de subscrição, por exemplo.

Nesse sentido, as áreas de risco e de sustentabilidade avaliaram como o estudo de materialidade reflete estas condições e vice-versa, ou seja, se estes riscos associados aos limites e às restrições foram devidamente incorporados no estudo, mesmo que eventualmente não sejam materiais.

Adicionalmente, os riscos climáticos crônicos e riscos climáticos de transição, que possuem horizonte temporal mais longo e, consequentemente, com maior dificuldade em se tangibilizar, em geral não possuem limites e restrições associados, salvo algumas exceções, por força (e maturidade) do grupo na qual está inserida.

 

·       Aperfeiçoamento das metodologias quantitativas: a Circular 666/2022 estabelece que as entidades (S1 e S2) devem incorporar, em suas metodologias quantitativas de mensuração de riscos, projeções, inclusive de longo prazo, que considerem eventos associados a riscos de sustentabilidade.

Cabe destacar que este requerimento reforça aquele disposto na Resolução CNSP 416/2021, que estabeleceu as categorias de riscos mínimas, que naturalmente são influenciadas por algum fator de risco de sustentabilidade. 

Em geral, os modelos foram aperfeiçoados para estabelecer uma relação entre agravamento de causas externas socioambientais e os impactos para a Seguradora, como na avaliação do efeito de cenários futuros de agravamento climático. Esses modelos permitem avaliar o comportamento das perdas financeiras em cenários de choques sobre as variáveis de sustentabilidade, bem como estudar agravamento de fatores ainda não observados em seu histórico – tendência natural deste risco.

Além disso, é crucial se valer de fontes externas e internas de dados, que permitam avaliar uma relação entre cenários de sustentabilidade, agravamento de perdas e impactos nos negócios.

 

iii)      Base de Perdas de Sustentabilidade

As entidades devem registrar informações relevantes para a gestão dos riscos de sustentabilidade, incluindo dados referentes às perdas incorridas pela supervisionada, com o respectivo detalhamento de valores, natureza do evento, região geográfica e setor econômico objeto da exposição, discriminando os diferentes tipos de riscos de sustentabilidade.

Nesse contexto, observa-se que algumas entidades conseguiram promover ajustes em seus sistemas de origem e demais auxiliares para identificar se a causa de um determinado evento está relacionada à sustentabilidade, a fim de refletir adequadamente os fatores de riscos e realizar sua gestão. Ratifica-se, novamente, a oportunidade de atuação colaborativa e integrada entre diversas áreas, para que se tenha êxito nesse processo.   

Por fim, é importante avançar em um consenso acerca da taxonomia das perdas relacionadas aos eventos de sustentabilidade, assim como na captura e preparação das fontes atuais de informações de acordo com os campos requeridos pela Circular 666/2022.

Box: Impactos da tragédia climática no Rio Grande do Sul para as Seguradoras [4]

Entre o final de abril de 2024 e o mês de maio, o Rio Grande do Sul enfrentou o maior evento climático de sua história, com chuvas recordes que provocaram inundações que afetaram diversas regiões do estado, provocando a morte de mais de 160 pessoas, deslocando 630 mil de suas casas e afetando milhões de pessoas, com inúmeros danos à infraestrutura, habitação e atividades econômicas.

Segundo a CNSEG, até 22/05/2004, a população atingida já registrou 23.441 avisos de sinistros, somando R$1,673 bilhão em indenizações que serão pagas aos clientes, naquele que deve se transformar no maior evento de sinistros decorrente de desastre natural no Brasil. Os números são preliminares e, em termos de valores, as linhas mais impactadas são de Automóvel (R$ 557MM), Grandes Riscos (R$507MM) e Residencial/Habitacional (R$239MM).

O evento ratifica a enorme relevância da integração e aprimoramento da gestão de riscos de sustentabilidade – neste caso, nomeadamente os riscos climáticos físicos agudos – ao gerenciamento de riscos das seguradoras, sinalizando possíveis ajustes aos estudos de materialidade realizados, inventário de perdas, calibrações nas metodologias quantitativas e critérios e procedimentos de precificação e subscrição. Adicionalmente, demanda toda uma capacidade de resposta operacional em face do desastre, bem como adequação de produtos e serviços.

Os impactos de eventos climáticos como esses envolvem diversos aspectos, podendo afetar o negócio de diversas maneiras e intensidades: (1) reavaliação de prêmios de seguro: os prêmios de seguro podem ser reavaliados para refletir o aumento do risco; (2) ajustes de cobertura: as seguradoras podem ajustar as coberturas oferecidas ou definir exclusões em políticas futuras para mitigar riscos; (3) impacto na reputação: a forma como as seguradoras lidam com as reivindicações e no relacionamento com o cliente pode afetar sua reputação no mercado, especialmente nos casos de cancelamento ou de desalinhamento de expectativas nas coberturas; (4) negociações com resseguradoras: as seguradoras podem ter que negociar com resseguradoras a cobertura de parte dos custos das reivindicações, o que pode afetar as condições e custos de resseguro e a gestão da liquidez; (5) análise de risco e modelagem: as seguradoras podem precisar atualizar seus modelos de risco para incorporar a probabilidade e impacto crescente de eventos climáticos extremos; (6) pressão sobre reservas financeiras: um grande volume de reivindicações pode pressionar as reservas financeiras das seguradoras, potencialmente afetando sua posição de solvência (buffer).

Esses impactos dependem da severidade dos eventos, da densidade populacional das áreas afetadas, da infraestrutura e atividade econômica local, e da preparação tanto das comunidades quanto das seguradoras para lidar com tais eventos. A tragédia climática no Rio Grande do Sul deixa um rastro de destruição e um legado de experiências a serem utilizadas na mitigação e gestão de outros eventos. 

iv)      Reporte de Sustentabilidade

As entidades devem publicar um Relatório de Sustentabilidade descrevendo, no mínimo, as ações estabelecidas para promover a efetividade da política de sustentabilidade e os resultados esperados, bem como os aspectos mais relevantes para a gestão dos riscos de sustentabilidade, seguindo minimamente as diretrizes das tabelas padronizadas divulgadas pela SUSEP com disclosure sobre Governança, Estratégia, Gestão de Riscos, Indicadores e Oportunidades.

Para diversas Seguradoras, este será o primeiro Relatório de Sustentabilidade publicado, de modo que a qualidade da divulgação dependerá fortemente da maturidade nos processos subjacentes implementados.

Como de costume, essa atividade traz a oportunidade de fortalecer a integração entre as áreas, uma vez que a produção do relatório envolve o fornecimento de informações de diversas áreas da Companhia.

 

D.      Perspectivas para o futuro

A partir das lições aprendidas e dos desafios com a implementação da Circular SUSEP 666/2022, destacamos a seguir alguns aspectos, trazendo nosso ponto de vista em termos de melhorias e evolução na maturidade dessa jornada.

·       Estudo de materialidade: com a disseminação de conhecimento, troca de informações entre Seguradoras e orientação SUSEP, o mercado tende a evoluir para uma visão mais padronizada e convergente acerca do entendimento dos riscos de sustentabilidade e seus impactos nos negócios. Espera-se também uma evolução das metodologias internas de classificação de riscos, do aprimoramento das fontes internas e da ampliação do uso de fontes externas, além de um maior entendimento de perdas financeiras potenciais oriundas de riscos reputacionais associados a fatores de sustentabilidade.

·       Integração EGR/SCI: a área de riscos será mais desafiada a pensar em riscos sobre o modelo de negócio e não apenas potenciais perdas sobre os processos da organização. Áreas de controles Internos desenvolverão uma maior capacidade para desafiar a primeira linha sobre a integração da gestão destes riscos nos procedimentos internos, com maior conhecimento e uso de dados, permitindo a criação e o uso de indicadores para monitoramento e reporte.

o   Critérios e procedimentos

§  Precificação e subscrição: maior precisão na identificação de sinistros de sustentabilidade, com detalhamento da definição da causa no seu processo de abertura, poderá melhorar as informações utilizadas para precificação e os critérios usados para subscrição. Adicionalmente, a utilização de novas ferramentas que possibilitam monitorar o comportamento dos riscos de sustentabilidade oriundos de clientes, permitindo identificar mitigadores, individualizar risco e revisar prêmio técnico, contribuindo para a definição de novos critérios e procedimentos, incluindo a estratégia de resseguro.

§  Gestão de fornecedores: aprimoramento da integração de critérios de gestão de riscos de sustentabilidade ao longo de toda a cadeia de valor e nas diversas etapas do processo, da homologação ao monitoramento, assim como maior proximidade com os fornecedores e parceiros de negócio, especialmente em temas críticos e riscos materiais, a partir da realização de due diligence mais apurada e com auditorias consultivas in loco.

§  Seleção de investimentos: maior assertividade na integração dos riscos de sustentabilidade na política de investimentos, reforçando o papel das áreas de investimentos na definição e aplicação dos critérios, com operacionalização desse mandato pelas entidades parceiras (quando aplicável). Desafio no monitoramento pela segunda linha, tanto em relação à seleção e ao desempenho dos ativos pelo prisma de risco, quanto na avaliação de oportunidades.

o   Limites e restrições: o aumento da maturidade no processo de identificação e avaliação de riscos e perdas de sustentabilidade pode impulsionar as discussões sobre os limites e restrições atualmente implementados. As áreas de negócios tendem a ser mais desafiadas na definição de políticas e identificação de regiões, setores ou quaisquer outras variáveis que afetem a concentração de riscos, seja diante de riscos climáticos ou de riscos reputacionais motivados por questões socioambientais.

O aumento de pressões das partes interessadas sobre a responsabilidade socioambiental, inclusive em um contexto de transição para uma economia de baixo carbono, é outro exemplo de como discussões estratégicas podem acelerar esta agenda e promover impactos positivos à sociedade.

o   Metodologias quantitativas: metodologias quantitativas também serão incorporadas na visão do ORSA e utilizadas como parâmetro para discussões estratégicas de riscos emergentes e na resiliência de negócio.

As metodologias quantitativas poderão suportar a avaliação qualitativa realizada no estudo de materialidade, garantindo que a percepção de probabilidade e impacto estejam aderentes às informações da organização.

Além disso, com uma maior maturidade, é esperado integrar cenários que vão além daqueles observados no passado, trazendo insights importantes e medidas de risco baseadas numa visão prospectiva, em linha com a natureza do risco de sustentabilidade.

 

 

·       Perdas de sustentabilidade: com as bases de perdas dos riscos de sustentabilidade, sejam daquelas incorridas, materializadas ou oriundas de informações capturadas relevantes para o negócio, o mercado terá uma visão mais clara, alinhada e ampla dos riscos de sustentabilidade e seus impactos no negócio. Adicionalmente, uma vez estruturada, há espaço para incorporar estas fontes na revisão do estudo de materialidade e refinamentos das metodologias quantitativas, monitoramento das tendências, por meio de indicadores, dentre outros.

 

Não obstante, deve-se pensar em como incorporar este conjunto de novos indicadores pelas áreas de riscos na avaliação da efetividade dos controles e em eventuais fragilidades na conformidade, quer regulatória ou corporativa.

·       Reporte de sustentabilidade: após as primeiras divulgações, é esperada uma evolução na maturidade dos Relatórios de Sustentabilidade com o tempo, de modo que as entidades detalhem e tangibilizem a exposição aos riscos de sustentabilidade, os possíveis impactos, eventuais oportunidades e como gerenciam esses riscos.

Além disso, novos padrões globais em sustentabilidade como o IFRS S1/S2 e o CSRD, na Europa, tendem a subir a régua das divulgações, de modo que os reguladores brasileiros possam vir a espelhar esses requisitos localmente, aumentando a necessidade de informações, processos e transparência nas divulgações de sustentabilidade.

 

B.      Conclusão

A implementação da Circular SUSEP 666/2022 representa um marco na integração de riscos de sustentabilidade ao gerenciamento de risco das Seguradoras. Desde o lançamento da Circular até o presente momento, o mercado tem discutido com profundidade, avançado no entendimento e na implementação dos requisitos. Os avanços obtidos até aqui e as melhorias identificadas caminham com o intuito de atender ao regulador e ao mesmo tempo gerar maior valor para o negócio, por meio de uma gestão de risco mais abrangente e profunda capaz de lidar com os desafios de sustentabilidade do nosso tempo, como o evento climático recente no Rio Grande do Sul nos ensina. 

 

 



Resumo 

Visão da EY sobre a jornada de implementação da Circular SUSEP 666/2022 destaca as principais lições aprendidas, reflete sobre os desafios e traz considerações sobre como avançar na maturidade da integração da sustentabilidade à gestão de riscos no mercado segurador.

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