Um ponto bastante observado em relação ao regime 100% remoto é que há um acúmulo de reuniões online que acabam sendo gravadas para posterior audição e vão parar em um grande backlog interminável de tarefas e informações. Como gerenciar tudo isso para que não se torne improdutividade e para que não onere demasiadamente o colaborador?
Alguns pontos de atenção sobre a chamada "Zoom Fatigue", ou fadiga de telas, é um dos fatores desencadeantes da síndrome de burnout. Por sua vez, esses impactos se desdobram na saúde e na produtividade das pessoas, que se sentem menos motivadas, faltam mais ao trabalho e ficam mais propensas a deixar seus empregos.
Além disso, engana-se quem pensa que a incidência do burnout caiu desde a pandemia. Uma pesquisa global de 2023 conduzida pelo centro de pesquisas e debates americano Future Form apontou que 42% dos participantes relataram burnout, o maior número desde maio de 2021
Em 2021, um estudo da Universidade de Stanford apontou que as mulheres são as principais afetadas pela fadiga de telas típica do trabalho remoto, com 13.8% de prevalência em relação a 5.5% dos homens, reforçando as disparidades de gênero no mundo do trabalho.
O que eles querem: as expectativas dos empregadores e as métricas da produtividade
Tanto no Brasil quanto no exterior, as empresas precisam construir e manter uma cultura forte e orientada para a alta performance que realmente se sustente na prática. Há demandas por velocidade, rapidez de aprendizado, resultados e domínio de tecnologias que mudam a cada dia.
Na realidade, muitas delas precisam caminhar mais rápido e com segurança ao mesmo tempo, mas é como se ainda fosse um dilema. Basta, contudo, encontrar o caminho do meio, um modelo maduro que não necessariamente implique em deixar um método histórico e tradicional, que ainda funciona para certos tipos de entrega, e apostar todas as fichas em um modelo completamente distinto.
Há palavras e metodologias da moda, como a tal da disrupção. Mas, o que significa isso? Há 20 anos, muitas mídias respeitadas apontavam que 75% das 500 maiores empresas do mundo não iriam sobreviver nas próximas décadas. Isso gerou uma grande euforia, mas não aconteceu.
Muitas vezes, com base em euforia e um senso de urgência desnecessário, gasta-se recursos com tentativas aleatórias e sem visão de causa raiz nas iniciativas de inovação e novos projetos. É necessário refletir: no que isso ajuda na produtividade e na alta performance?
A produtividade é mensurada de uma forma muito incompleta, relacionada somente às entregas de um determinado âmbito, como fazer mais com menos. Antes, eu demorava 8 horas, agora demoro 6, gerando um ganho de 25%. Mas será que isso é real?
O correto é entender como chegamos lá, quais foram os esforços e medidas empreendidas que podemos mensurar para melhorar a capacidade de foco e de produção. A produtividade não pode ser colocada como um desafio que cada indivíduo vai internalizar como forma de protagonismo, pura e simplesmente.
Se não chegamos aos indicadores da meta, vale perguntar: o que aconteceu? O que precisamos despriorizar para atacar melhor a esse indicador para tomar as decisões de forma menos limitada?
Será que é um problema de estrutura, de recursos? Empregadores, gestores e funcionários precisam ter uma visão mais profunda e alinhada para chegar a planejamentos mais efetivos, e que façam sentido.
O que piora a produtividade e como melhorá-la?
Voltemos ao tema do trabalho assíncrono e do excesso de reuniões online: a maioria das pessoas têm agendas tão lotadas de calls, que não conseguem participar de tudo. Isso nos leva a dois pontos: questionar se é mesmo necessário participar de tudo e repensar a pilha de coisas acumuladas no backlog, inclusive uma série de gravações de calls que talvez não fossem necessárias.
Para os colaboradores, entender por que e para que cada tarefa está sendo feita é fundamental. Para os empregadores, é importantíssimo ouvir as demandas dos seus times e considerá-las, entendendo as possibilidades reais e dando o respaldo necessário para que eles executem as ações e consigam entregar, tendo uma visão concreta de próximos passos.
Do mesmo modo, lugares-comuns como a ideia de "colaboração irrestrita" tornaram-se alavancas de excesso de trabalho, da improdutividade e problemas como burnout. É possível e muito importante trabalhar de modo colaborativo, contanto que as pessoas tenham clareza total sobre o que é esperado delas, quais resultados precisam ser entregues, quais as prioridades e o que pode - e deve - estar em segundo plano ou ser completamente abandonado. Elas precisam entender seu papel na empresa até mesmo para sentirem-se engajadas e valorizadas.
Ambientes em que todos querem fazer tudo ao mesmo tempo tendem a fazer com que as pessoas entreguem menos e mal, sempre na sensação de improviso, além de causar uma falsa sensação de produtividade. É como se jogadores de vôlei fossem recrutados a jogar futebol e instigados a simplesmente correr atrás da bola, sem estratégia, tática e técnica, posições definidas e cadência de time. O excesso de estímulos e direcionamentos leva a uma sensação de bagunça muito improdutiva e inimiga da performance.
Os gestores não devem exigir que seus times tenham, concomitantemente, que pensar nas competências a desenvolver, acompanhar todas as tendências, entender de tudo e equilibrar tudo sozinhos. É preciso filtrar, focar e alinhar expectativas, provendo os recursos para tal.
Como a cultura de uma organização pode auxiliar na melhoria da produtividade?
O discurso precisa se refletir na prática para que a cultura da empresa propicie um ambiente produtivo. Não adianta falar sobre uma cultura colaborativa, que vise um maior engajamento e onde todos recebem feedbacks constantes, se a gestão não consegue se planejar e deixar claros todos os pontos já listados acima. Do contrário, exigências e feedbacks podem ser superficiais, frustrando todas as partes envolvidas.
Não deveríamos deixar a critério de cada um decidir o que é importante, pois alguém vai se perder no meio do caminho. Especialmente nas empresas que dependem do conhecimento como capital competitivo para crescer, é importante simplificar a vida das pessoas, evitando que elas sejam interrompidas constantemente por assuntos que não têm valor.
Pessoas engajadas são aquelas que produzem bem e se relacionam bem, trabalham bem em equipe. As empresas precisam qualificar melhor esse conceito dentro da cultura para entender não somente quais são os detratores do engajamento, como o que é necessário fazer adicionalmente a isso para que todos produzam bem.
Como a IA e as novas tecnologias impactam na produtividade?
Há um estudo liderado pelo pesquisador Fabrizio Dell’Acqua, da Harvard Business School (2023), que aponta que, quando usada dentro de suas capacidades atuais, a inteligência artificial generativa (como o ChatGPT) pode melhorar a performance de um profissional de alta especialização em 40% comparado aos profissionais que não a utilizam.
Contudo, quando exigida além dos seus limites, ela derruba a produtividade desses profissionais em 19%. Ou seja, o conhecimento e a capacidade de julgamento humana ainda faz e fará muita diferença no uso dessas tecnologias, que não são milagrosas por si só e requerem um uso ético e transparente.
É importante entender como essas tecnologias podem nos apoiar, mas não depositar todas as fichas nela. Na maioria das vezes, a inteligência artificial generativa, por exemplo, não vai resolver a vida do seu time. O que pode estar acontecendo de problemático é algo estrutural e bem mais simples, como excesso de reuniões e gestão inadequada.
Foco e desperdício: o que cabe à tecnologia e o que cabe à gestão do tempo e de pessoas
Tanto em tecnologia quanto em treinamento, há muito esforço e dinheiro jogado fora. Um estudo da Harvard Business Review apontou que as empresas gastavam mais que o PIB do Paraguai em desenvolvimento de treinamento: estamos falando de mais de R$260 bilhões! Cerca de 70% disso é desperdício, porque mesmo um conceito certo pode dar errado em um formato ruim.
Não é simplesmente investir em e-learning, mas saber quais os conhecimentos e competências que precisam ser adquiridos por cada grupo, em cada momento, de acordo com os rumos da empresa.
Recentemente, participei de uma reunião em uma empresa que estava debatendo as iniciativas estratégicas para o próximo ciclo de doze meses. Os executivos relataram que a empresa investiu muito em educação e conta com uma biblioteca de 4000 títulos, com objetivo de criar uma camada de UX para facilitar o consumo dessas informações, que já estão sendo muito bem consumidas. Será mesmo que precisamos da UX ou isso só vai consumir tempo, recursos e causar o efeito contrário do esperado?
Mais uma vez, não há receita de bolo ou futurologia: tudo precisa fazer sentido em uma visão de grupo, levando em consideração as demandas reais dos colaboradores e os objetivos de negócio. Varia de empresa para empresa.
Somente com uma agenda clara sobre quais os resultados relevantes, estabelecer métricas compatíveis e oferecer o apoio necessário aos colaboradores - com a devida clareza de metas e expectativas - é que teremos resultados melhores em produtividade, engajamento, turnover, formação de time e pipeline. Com isso em mãos, teremos mais e melhores insumos para investir nas tecnologias que fazem sentido e implementar inovações que levem a esses resultados.