skyline of la defense in summer

Desafios no reporte de sustentabilidade do setor financeiro no Brasil


A importância do tema sustentabilidade no setor financeiro

Por Rafael Schur, Sócio da EY e Líder do Segmento de Mercado de Serviços Financeiros  para o Brasil, e Fernando Silas Siedschlag, Consultor de ESG para Serviços Financeiros na EY. 

Em resumo

  • Pesquisa realizada pela EY revela como as instituições brasileiras de serviços financeiros fazem a divulgação de indicadores de sustentabilidade fundamentais para a geração de valor a longo prazo.
  • A análise é baseada em metodologia global própria da EY para análise de geração de valor de longo prazo, que identifica três tipos de alavancas: (I) Valor para a Sociedade, (II) Valor para os Colaboradores e (III) Valor para os Consumidores. Nesta pesquisa, analisamos um conjunto de mais de 100 métricas compreendendo (1) divulgações de sustentabilidade; (2) temas materiais e influência sobre desempenho financeiro; (3) riscos e oportunidades; (4) partes interessadas, como clientes, funcionários, comunidades e consumidores.
  • A pesquisa aponta pontos fortes e oportunidades de melhoria para os relatos das instituições financeiras (IFs) brasileiras e destaca os principais dilemas e desafios para sua evolução.
     

Sustentabilidade tornou-se um imperativo estratégico para as instituições financeiras, à medida que seus modelos de negócio foram sendo desafiados por temas sociais e ambientais. O Fórum Econômico Mundial incluiu sustentabilidade entre as cinco tendências que estão remodelando o setor financeiro nestes tempos de turbulência[1]. Os participantes do sistema financeiro devem estabelecer uma distinção clara entre aqueles que abordarão a sustentabilidade como um exercício orientado ao cumprimento das regulações, e os que a tratarão como parte do seu propósito e estratégia.

O efeito inicial da agenda de sustentabilidade nas IFs está influenciando as estruturas tradicionais de gestão de riscos e criando oportunidades, como, por exemplo, o impacto das mudanças climáticas e a transição para uma economia de baixo carbono, as preocupações com o bem-estar social após a pandemia do COVID 19 e os impactos na cadeia de valor em função de condições de trabalho, fatores geopolíticos e regulações ESG globais.

Essas mudanças mexem com os direcionadores de valor a longo prazo, afetam suas perspectivas de desempenho financeiro e definem novas condições para suas estruturas de divulgação de sustentabilidade, que precisam ser aprimoradas para que as IFs consigam reportar como estão reagindo a esses desafios, fornecendo informações mais transparentes e confiáveis para clientes, reguladores e investidores globalmente.

Como a divulgação de indicadores não financeiros está relacionada à agenda de sustentabilidade

Relatos de sustentabilidade abordam quais são os impactos sociais e ambientais das relações de negócios e atividades das empresas, especialmente pelo uso e gerenciamento de recursos naturais, e considerando também os efeitos nos clientes, na força de trabalho e no modelo de governança que afetam as relações com investidores e com reguladores. Os impactos podem ser positivos ou negativos e podem gerar consequências operacionais, reputacionais e financeiras, sendo fundamentais para entender o desempenho financeiro e a criação de valor ao longo do tempo[2]. É um tema em constante evolução, que influencia a agenda de sustentabilidade e que é influenciada por ela, à medida em que se aprofunda a discussão dos direcionadores de valor de uma determinada instituição e/ou setor. A agenda de sustentabilidade das IFs e, consequentemente, do seu modelo de relatos baseado em indicadores financeiros e não-financeiros vem sendo bastante desafiada pelos avanços dos debates nacionais e internacionais em torno da divulgação de sustentabilidade e mudanças climáticas, da materialidade e da influência de regulações ESG que vêm se expandindo globalmente e particularmente no Brasil.
 

Nova regulação brasileira em sustentabilidade

No Brasil, o papel das instituições financeiras na agenda ESG ganha mais evidência com o reforço dado pelo Banco Central do Brasil, pela SUSEP e pela CVM com as publicações recentes de normas que direcionam esses temas[3]. Por exemplo, o Banco Central do Brasil publicou uma série de novas exigências de práticas ESG para os bancos, em linha com as recomendações da Task-Force on Climate related Financial Disclosure (TCFD) e do Comitê de Basileia.

O conjunto de normas ESG emitidas trouxe diversos desafios, em especial no gerenciamento de riscos, com novas exigências e necessidade de maior detalhamento sobre o processo de identificação, avaliação, classificação e mensuração desses riscos. Essa maior robustez no gerenciamento integrado de riscos exige o desenvolvimento de novos processos e metodologias, além da obtenção de um volume cada vez maior de dados confiáveis e de qualidade relacionados aos aspectos ESG, para que possam ser utilizados nas tomadas de decisão.

Apesar de todas as exigências e mudanças previstas no curto prazo, esse processo deverá beneficiar a jornada de amadurecimento das IFs frente às demandas do mercado e dos consumidores sobre o tema. É também um momento bastante oportuno para que IFs com diferentes níveis de maturidade no tema possam aproveitar esse período de adaptação regulatória para refletirem sobre sua estratégia e posicionamento ESG.

O modelo de Valor no Longo Prazo (“Long Term Value”)

Em resposta às lacunas existentes no mercado e ao crescente impulso dos investidores por transparência, a EY desenvolveu uma metodologia global para análise de geração de valor de longo prazo de uma instituição, que identifica três tipos de alavancas: I) Valor para a Sociedade, (II) Valor para os Colaboradores e (III) Valor para os Consumidores. Esse arcabouço ganha importância em um contexto em que a sociedade exige maior responsabilidade das organizações para as quais trabalham, compram e investem.

O capital e o talento passarão de organizações que apenas criam valor para seus acionistas para aquelas que criam valor no longo prazo, considerando um amplo grupo de partes interessadas, incluindo consumidores, funcionários, fornecedores, governo, comunidades, investidores e acionistas. As organizações que autenticamente vinculam sua abordagem ao valor de longo prazo e a um propósito significativo estão em melhor posição para se beneficiarem, demonstrarem e medirem o valor que criam.

A metodologia de análise está fundamentada na divulgação de informações não financeiras. A partir dos relatórios divulgados para o mercado, analisamos um conjunto de mais de 100 métricas compreendendo (1) divulgações de sustentabilidade; (2) temas materiais e influência sobre desempenho financeiro; (3) riscos e oportunidades; (4) partes interessadas, como clientes, funcionários, comunidades e consumidores.

Nosso arcabouço foi fundamentado em diversas agendas globais que buscam entender a contribuição das empresas em sustentabilidade:

  • (i) Fórum Econômico Mundial (WEF), incluindo um conjunto de 21 métricas principais e 34 expandidas, que foram publicadas em setembro de 2020 no relatório “Measuring Stakeholder Capitalism: Towards Common Metrics and Consistent Reporting of Sustainable Value Creation”;
  • (ii) Coalizão para o Capitalismo Inclusivo (EPIC), um conjunto de métricas padronizado, material e comparável para a medição de atividades que criam valor de longo prazo e que afetam uma ampla gama de partes interessadas, incluindo clientes, funcionários e comunidades;
  • (iii) Sustainability Accounting Standard Board (SASB), cujos padrões permitem que as organizações forneçam divulgações de sustentabilidade baseadas no setor sobre riscos e oportunidades que afetam o valor da empresa.

A tabela 1 apresenta os indicadores usados para cada uma das dimensões de valor analisadas no estudo.

 

Tabela 1: Dimensões e indicadores analisados no arcabouço LTV
Obs.: Em negrito os indicadores selecionados da SASB para os setores específicos.

Dimensão: Valor para a Sociedade

Dimensão: Valor para os Colaboradores

Dimensão: Valor para os Consumidores

Crescimento econômico e geração de empregos

Composição e diversidade da força de trabalho

Inovação

Propósito e Engajamento da Comunidade

Engajamento do colaborador

Confiança do consumidor

Emissões de carbono

Saúde e bem-estar do funcionário

Saúde financeira do consumido

Consumo de energia

Treinamento, aprendizagem e desenvolvimento

Bancos e Cooperativas: Segurança de Dados

Gestão de água

Custos da força de trabalho

Bancos e Cooperativas: Gestão de Risco Sistêmico

Gestão de resíduos e reciclagem

Atração, retenção e rotatividade

Seguro: Informações Transparentes e Aconselhamento Justo para o Cliente

Biodiversidade e usa da terra

Cultura organizacional

Seguro: Políticas Projetadas para Incentivar o Comportamento Responsável

Governança corporativa

Seguro: Gestão de Risco Sistêmico

Bancos e Cooperativas: Capacitação em Inclusão Financeira

WAM: Administração de investimentos

Bancos e Cooperativas: Incorporação de Fatores de ESG na Análise de Crédito

WAM: Métricas de atividade

Bancos e Cooperativas: Ética Empresarial

Seguro: Exposição ao Risco Ambiental

WAM: Incorporação de fatores de ESG na Gestão e Assessoria de Investimentos

Para cada um dos indicadores selecionados, o time de analistas da EY Global atribuiu scores individualizados de 0 a 1 baseados na cobertura e efetividade da divulgação desses indicadores nos relatos integrados, relatórios anuais e relatórios de ESG e Sustentabilidade, quando existentes, para o ano base de 2021 publicados em 2022. Os resultados do processo de pontuação das dimensões de divulgação das informações de sustentabilidade foram apresentados e validados junto às instituições financeiras analisadas.

Importante observar que não consideramos questões de materialidade das diversas dimensões nas organizações, prática corrente na seleção de que informações relatar, e que aplicamos a metodologia de maneira padronizada para todas as instituições avaliadas. Também é importante ressaltar que para o período analisado, ano base de 2021, as novas regulações do BACEN, SUSEP e CVM ainda não estavam em vigor e, portanto, vários requisitos obrigatórios que podem impactar a divulgação ainda não eram válidos.

Resultados gerais da pesquisa

Nossa pesquisa analisou 13 IFs brasileiras, entre bancos, cooperativas, seguradoras e gestoras de ativos, tendo por base os relatórios publicados em 2022, com dados baseados nas operações de 2021.

Podemos observar que dois indicadores foram reportados de forma consistente, i.e., com score médio alto e com baixa dispersão entre as instituições analisadas: “Composição e Diversidade da Força de Trabalho” e “Emissões de Carbono”. Esses dois temas são centrais na agenda de sustentabilidade das instituições financeiras e há abundância de informação e muitas iniciativas nestas duas frentes.

Outros indicadores com baixa dispersão entre as instituições, porém com score mais baixo na média são: “Propósito e Engajamento da Comunidade”, “Treinamento, Aprendizagem e Desenvolvimento” e “Atração, Retenção e Rotatividade”, indicando que as instituições financeiras começam a reportar esses indicadores, mas ainda de forma incipiente.

Por outro lado, podemos observar que os indicadores com menor score médio e com baixa dispersão entre as instituições financeiras são: “Saúde Financeira do Consumidor”, “Biodiversidade e Uso da Terra” e “Saúde e Bem-Estar do Colaborador”. Nesses três indicadores, encontramos os maiores espaços de desenvolvimento na abertura de informações no Brasil.

O gráfico 1 representa os indicadores avaliados, ordenados do maior para o menor score médio, e a dispersão dos respondentes.

Gráfico 1: Resultados da Pesquisa

Podemos agrupar 11 das 13 instituições financeiras pesquisadas em três grupos, quando avaliamos a correlação entre os seus scores por indicador, indicando que esses três grupos apresentam resultados de Sustentabilidade de forma muito similar. Duas IFs têm baixa correlação dos seus indicadores com as demais. Essa análise indica que a padronização dos indicadores e dos temas que são divulgados ainda é baixa, com as IFs divulgando o que lhes parece mais adequado ao mercado de acordo com seus critérios e interesses, ainda que fortemente embasados pela materialidade de cada tema. Na tabela 1, apresentamos as correlações entre instituições. As IF1, IF2, IF6 e IF11 formam o primeiro grupo; as IF4, IF7, IF9 e IF10 formam o segundo grupo; as IF3, IF5 e IF8 formam o terceiro grupo; e as IF12 e IF13 não foram incluídas em nenhum dos grupos.

Tabela 2 – Correlação dos scores de divulgação das IFs

Buscamos entender o impacto da regulação nos indicadores reportados, atentando para o fato que os dados reportados em 2021 não foram impactados pelas novas regulações do BACEN, SUSEP e CVM que tratam dos temas social, ambiental e climático.

Vemos que a regulação é uma condição necessária, mas não suficiente para alcançar um alto score relativo no arcabouço do LTV. Isso porque as instituições financeiras reportam os indicadores mais materiais na sua operação e que já têm um histórico relevante, sejam eles regulados ou não, e não reportam indicadores não regulados em que tenham menos exposição positiva para o mercado. No gráfico 2, indicamos a distribuição dos scores para três estágios da discussão de regulamentação: seis temas regulados com alta pontuação, três temas em discussão na agenda do regulador mas ainda sem regulação com baixa pontuação, e 13 temas não regulados, dos quais seis têm alta pontuação e sete baixa pontuação.

Gráfico 2 – Distribuição dos scores com base na regulação.

A seguir, detalhamos mais os principais dilemas que as IFs têm na divulgação das suas informações referentes a sustentabilidade.

Dilema 1: Emissões de Carbono e Biodiversidade e Uso da Terra

O tema “Emissões de Carbono”, incluindo inventários de emissão, grau de aderência ao TCFD (Força-Tarefa sobre divulgações financeiras relacionadas ao clima), compromissos e metas de carbono alinhadas a acordos internacionais, entre outros, é bastante explorado nos relatórios das IFs brasileiras, com destaque inclusive quando comparado com IFs globais. Já o tema de “Biodiversidade e Uso da Terra” é o menos reportado e aspectos como investimentos em florestas, projetos socioambientais para recuperação de áreas e restauração florestal, portfólio em florestas e áreas para geração de carbono, entre outros, possuem espaço para aprimoramento.

O resultado é coerente com o grau de maturidade destes temas nas agendas das instituições financeiras. Mudanças climáticas é um tema amplamente debatido e que ganhou força empresarial a partir das conferências do clima da ONU e do advento do TCFD e respectivo padrão de divulgação, que passou a servir como uma referência para incorporação de aspectos climáticos na gestão dos negócios. Nesse sentido, de modo geral, as IFs reportam como as mudanças climáticas afetam seus negócios, mensuram os impactos de sua operação direta por meio de seus inventários de emissão de carbono e têm como desafio setorial avançar na mensuração e reporte de suas carteiras financiadas, cujos impactos são efetivamente materiais e fundamentais para a gestão de riscos e oportunidades para a transição para uma economia de baixo carbono.

Por outro lado, a agenda de biodiversidade é relativamente incipiente nas IFs, faltando clareza sobre a relação entre seus negócios e a biodiversidade. Nesse sentido, espera-se que o tema possa ser impulsionado por meio da Taskforce on Nature-related Financial Disclosure-TNFD (Força-Tarefa para divulgação relacionado à natureza), criada em 2020, cujo framework é estruturado de forma similar ao TCFD, porém enfocando riscos relacionados à biodiversidade e capital natural. A tendência é que as divulgações de biodiversidade se ampliem à medida que aumente a consciência sobre o tema, a adesão a frameworks de referência e estabelecimento de práticas e iniciativas que futuramente serão reportadas.

Gráfico 3: Resultados para o Dilema 1

Dilema 2: Composição da Força de Trabalho e Diversidade, Saúde e Bem-estar do Colaborador

O tema de “Composição da Força de Trabalho e Diversidade”, com a abertura da distribuição de força de trabalho nos diversos níveis hierárquicos, segundo diversas categorias de diversidade (gênero, faixa etária e grupos vulneráveis, quando aplicável), também é muito bem apresentado no Brasil. Já o tema de “Saúde e Bem-estar do Colaborador”, que considera métricas de acidentes de trabalho, participação em programas de bem-estar e saúde mental possui muitas oportunidades de melhorias em todas as IFs analisadas.

A diversidade da força de trabalho é um tema que vem sendo muito discutido nos últimos anos, aparecendo em diversos frameworks e compromissos, inclusive com requisitos de metas e transparência, de modo que era esperado que fosse bem reportado pelas IFs. Por outro lado, bem-estar dos colaboradores é um tema que se tornou mais evidente a partir das consequências da pandemia do Covid-19, que amplificaram as preocupações sobre o bem-estar das pessoas em geral e dos colaboradores nas empresas.

Nesse sentido, em que pese a preocupação das IFs em desenvolver iniciativas e programas para essa finalidade, isso acaba não aparecendo de forma transparente nos relatos, seja pelas dificuldades de medição, seja pela pouca visibilidade externa que se dá ao tema, o que sugere que o aprimoramento deste tema esteja mais relacionado ao aperfeiçoamento de métricas e respectiva inclusão nos relatórios, do que o estabelecimento de iniciativas e programas de bem-estar, que supostamente já existem, mas não estão sendo devidamente reportados.

Gráfico 4: Resultados para o Dilema 2

Dilema 3: Confiança dos Consumidores e Saúde Financeira dos Consumidores

O tema de “Confiança dos Consumidores”, que inclui Net Promoter Score (NPS) de clientes, reclamações e canais de atendimento ao consumidor, apresentou um resultado desigual, com cerca de metade das instituições apresentando uma abertura consistente e a outra metade não reportando, sugerindo diferentes visões entre as instituições e espaço para aprimoramento. Já o tema “Saúde Financeira dos Consumidores”, que considera métricas relacionadas a serviços para o bem-estar do consumidor – pontos de atendimento, serviços e produtos disponíveis, isenção de tarifas e soluções financeiras possui muitas oportunidades de melhorias em todas as IFs analisadas.

A evolução da divulgação desses temas passa por avanços setoriais no estabelecimento de métricas de satisfação e saúde financeira dos consumidores, que contribuam para estimular a transparência na divulgação dessas informações. Sob o ponto de vista normativo, o tema está mais associado à agenda de relacionamento com clientes (Resolução CMN n° 4.949 de 30/9/2021) e Cidadania Financeira do BACEN (incluindo, por exemplo, a BCB nº 34.201/2019), não fazendo parte do arcabouço regulatório mais diretamente associado ao ESG, o que pode influenciar a divulgação em alguma medida.

Gráfico 5: Resultados para o Dilema 3

Dilema 4: Fatores ESG nas Decisões de Negócios e Inclusão Financeira

É interessante notar que o tema “Fatores ESG nas Decisões de Negócios ” está bem representado nas demonstrações analisadas. Por outro lado, quando consideramos os indicadores recomendados pela SASB, o tema “Inclusão Financeira” apresentou um resultado desigual entre as instituições, de modo que, na média, há oportunidade de avançar nesse aspecto.

A integração de fatores ESG na análise de crédito é um tema que tem se desenvolvido fortemente nas IFs, seja pelo impulso advindo de diversos framerworks que estabelecem diretrizes para adoção de critérios socioambientais na concessão do crédito, seja pela dinâmica regulatória, que vem exigindo aprimoramentos constantes nesse tema. Nesse sentido, esperava-se que o relato publicado fosse consistente com a evolução das práticas que vêm sendo observadas e não houve surpresas nesse resultado. A tendência é que a divulgação evolua bastante a partir das novas normas do BACEN para a gestão de riscos sociais, ambientais e climáticos lançadas em 2021 e que estão em implementação.

Já o tema de inclusão financeira, apesar de relevante no posicionamento estratégico das IFs ao mercado, apresentou divulgação desigual, motivando algumas reflexões para a discrepância encontrada nos resultados. Uma das hipóteses é de que, apesar do tema fazer parte da agenda de negócios das IFs, paradoxalmente não ganha grande destaque na agenda tradicional de ESG, que vem dando ênfase às questões ambientais ligadas a carbono e diversidade no campo social e, por essa razão, o tema acaba sendo pouco reportado. Por outro lado, aquelas que reportam são capazes de demonstrar seus programas, iniciativas e dados quantitativos, sinalizando o caminho para a evolução que o setor pode alcançar.

Gráfico 6: Resultados para o Dilema 4

Como vemos a evolução do disclosure de sustentabilidade e da geração de valor em instituições financeiras

Uma das maiores dificuldades reportadas pelas instituições financeiras sobre a divulgação de sustentabilidade é a necessidade de atender diversos frameworks e estruturas de relatórios disponíveis no mercado, o que impõe desafios de levantar grande volume de dados e informações, bem como conferir alinhamento e consistência a um relato, que é influenciado por arcabouços e padrões com objetivos e ênfases diferentes. Nesse sentido, a evolução do tema deve se beneficiar dos avanços das discussões no âmbito do International Sustainability Standards Board (ISSB), bem como dos requisitos estabelecidos na regulação ESG brasileira (BACEN, SUSEP e CVM), que indiretamente influenciam a divulgação de informações de sustentabilidade e clima, à medida em que vão incorporando definições, taxonomias, práticas e uma estrutura de reporte baseada em um formato do Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD) – Governança, Estratégia, Gestão de Risco, Métricas e Metas – que vem se tornando referência no mundo.

Box: : As novas normas IFRS S1 e IFRS 2 do ISSB [4]

Em jun/23, o International Sustainability Standards Board (ISSB) lançou as normas IFRS S1 e S2, objetivando alcançar requisitos de uniformização e transparência para o reporte de informações financeiras de riscos e oportunidades das empresas ligados aos temas de sustentabilidade e clima, atendendo uma demanda cada vez mais importante de investidores e mercado de capitais em busca de informações confiáveis e comparáveis de como estes temas impactam os negócios. A norma IFRS S1 General Requirements for Disclosure of Sustainability-related Financial Information (IFRS S1) estabelece diretrizes para o reporte de sustentabilidade e a IFRS S2 Climate-related Disclosures (IFRS S2) estabelece diretrizes para o reporte de riscos e oportunidades relacionados ao clima.

A implementação começa a partir de jan/24, dependendo da geografia e arcabouço regulatório local, tendo sido previstos faseamento e regras de transição para facilitar a implementação. No Brasil, as normas serão traduzidas pelo Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), levadas à consulta pública e encaminhadas para reguladores e CVM, podendo impactar principalmente as empresas brasileiras de capital aberto, subsidiárias ou que tenham operações em países que sigam a normas do ISSB.

Ainda que neste momento o padrão não tenha força de regulação no Brasil, é provável que influencie o reporte do mercado, reforçando uma tendência de divulgação em linha com o formato estabelecido pelo Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD), qual seja, relatar os temas na abordagem padrão de Governança, Estratégia, Gestão de Risco, Métricas e Metas, sendo as três primeiras de características mais qualitativas e a última mais quantitativa.

IFRS S1 é consistente com TCFD, deve também considerar o padrão SASB e está alinhada ao Integrating Reporting Framework, de modo que a capacidade de geração de valor financeiro da instituição depende do modo pelo qual ela gerencia a sustentabilidade na relação com seus stakeholders, com a sociedade e no uso de recursos naturais. IFRS 2 aborda riscos climáticos físicos, riscos climáticos de transição e oportunidades climáticas. É consistente com TCFD, deve utilizar padrões SASB, quando aplicável; demanda planos de transição, com metas de emissão de gases de efeito estufa (GEEs) e compensação; resiliência climática, considerando cenários climáticos; e divulgação das emissões de GEE escopos 1, 2 e 3 (envolvendo a cadeia de valor). As instituições financeiras devem relatar as emissões financiadas do escopo 3.

Adicionalmente, o relato deve avançar de modo mais consistente na esteira do avanço das discussões de materialidade, seja na visão do Global Reporting Initiative - GRI (materialidade de impacto), SASB (materialidade financeira) ou do ISSB-IFRS, em que o tema material é aquele cuja omissão, deturpação ou falta de clareza possa influenciar a decisão de um investidor, de modo que uma definição mais clara e objetiva de quais são os temas materiais para uma instituição financeira possa conduzir a divulgação para o detalhamento das informações que realmente são importantes neste setor. Nesse contexto, espera-se que a instituições financeiras possam refletir sobre quais temas materiais estão mais associados ao seu impacto e à sua agenda de geração de valor financeiro e, desta maneira, possam desenvolver melhor seus relatos de sustentabilidade e clima.

Temas que apareceram com uma boa cobertura no estudo do LTV, como indicadores ligados ao pilar “Valor para a Sociedade” (ambiental/carbono), devem ser aprofundados considerando justamente a sua porção mais material, ligada ao escopo 3 das emissões de GEEs, inclusive a emissão financiada, prática ainda limitada dentro do setor financeiro nacional em uma perspectiva mais ampla. Temas que fazem parte do pilar “Valor para os Colaboradores”, como diversidade e inclusão, tendem a se expandir, inclusive por força de novas exigências regulatórias[5], cabendo a reflexão sobre o caminho para evolução dos demais temas deste pilar. Por outro lado, temas que fazem parte do pilar “Valor para os Consumidores”, que não possuem tanto destaque atualmente, mas que fazem parte do modelo de negócios das IFs, como confiança e saúde financeira do consumidor, assim como educação e inclusão financeira, possuem espaço para serem revisitados sob o prisma de impacto e geração de valor e, desse modo, receberem maior destaque nos relatos.

Por fim, os próximos relatórios de sustentabilidade das instituições serão influenciados tanto pelos avanços regulatórios recentes quanto pelas discussões ligadas à divulgação propriamente dita, esperando-se que as instituições possam avançar no entendimento consistente de seus direcionadores de valor de longo prazo e suas respectivas métricas e impactos, além do encaminhamento dos dilemas apresentados nesta pesquisa.


Resumo

Pesquisa realizada pela EY revela como instituições brasileiras de serviços financeiros - incluindo bancos, cooperativas, seguradoras e gestoras de ativos - fazem a divulgação de indicadores de sustentabilidade fundamentais para a geração de valor a longo prazo, utilizando como referência metodologia global da EY , a LTV (Long-Term-Value). A pesquisa aponta pontos fortes e oportunidades de melhoria para os relatos e destaca os principais dilemas e desafios para sua evolução.

Sobre este artigo