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Future Consumer Index: Novos hábitos de consumo formados na pandemia tendem a se fortalecer a longo prazo


Resultados da nona edição do EY Future Consumer Index revelam tendências de comportamento dos consumidores – e mostram oportunidades de crescimento para as empresas ao investir em novas capacidades técnicas e integração das estratégias digitais

Embora tenha afetado as pessoas de formas muito diferentes, a pandemia inspirou novos hábitos e mudou o comportamento de consumo da grande maioria. Os consumidores querem viver o momento presente, mas estão preocupados com o futuro. E desejam gastar menos, escolhendo produtos que os ajudem a cuidar da saúde, do meio ambiente e da sociedade, priorizando as experiências. Quais serão os novos hábitos que devem perdurar a longo prazo? A 9ª edição da pesquisa global EY Future Consumer Index (FCI), realizada em fevereiro, revela que as compras digitais seguirão relevantes, com tendência de atrair ainda mais adeptos à medida que a experiência do comércio on-line evolui positivamente.

É exatamente nesta característica – a experiência – que as empresas precisam estar atentas ao buscar melhorias. Sairão na frente as operações que conseguirem aproveitar as tendências atuais e se antecipar, diante dos concorrentes, às tendências do futuro. E isso exige velocidade: é preciso fazer mudanças rápidas. Desde o início da pandemia, se mostraram mais resilientes as companhias que centraram foco em estratégias de crescimento inorgânico, como aquisições de empresas e parcerias que criam valor coletivo. As consequências de uma estratégia de crescimento inorgânico vão além de aumentar o faturamento ou manter a lucratividade: elas criam marcas mais fortes e valiosas.


No Brasil, o FCI contou com mil entrevistados, mulheres e homens de cinco gerações, sendo 60% representantes da classe média, 24% de baixa renda e 15% de alta renda. Surpreendidos pelos surtos de ômicron e influenza, no início do ano, e a alta da inflação desde o fim do ano passado, os consumidores estão trocando de marcas, comprando menos ou mesmo não comprando, em quase todas as categorias de produtos. Mas não só por causa dos preços mais caros e da redução do poder de compra. O contexto de crises motivou as pessoas a refletir sobre a própria identidade¹, seu papel no mundo e o futuro que desejam. Quase todos estão mais conscientes sobre os impactos, positivos ou negativos, de suas escolhas de consumo sobre a própria saúde, o meio ambiente, a sociedade, e a perspectiva de futuro.

Ficando mais tempo em casa, cozinhando as próprias refeições, vendo menos os familiares e amigos, e, em muitos casos, trabalhando mais, 75% dos brasileiros ganharam mais consciência sobre o valor do dinheiro a longo prazo. Refletindo mais sobre o futuro e o que é importante para si, muitos colocaram como compromisso pessoal melhorar a maneira como criam seus filhos, e as formas como usam a tecnologia, cuidam da própria casa, fazem exercícios e a forma como compram. Hoje, mais da metade dos entrevistados compra on-line produtos que antes da pandemia costumavam comprar presencialmente – 47%, inclusive, em épocas festivas. O novo hábito começou por conta das restrições à abertura de lojas físicas, depois mantido para evitar shoppings e aglomerações. E conquistou, em razão da comodidade, economia de tempo, e maior facilidade de comparação de preços – 44% dos entrevistados no Brasil, os quais afirmam que estarão, em um futuro próximo, fazendo todas as compras de mercadorias em ambiente digital.

Nesse processo de migração para o digital, 65% dos brasileiros estão dispostos a compartilhar dados, em algum nível, para aprimorar sua experiência de compra on-line, viabilizando que ela se torne mais eficiente e personalizada. O interesse em compartilhar informações pessoais aumenta, atraindo 72% dos consumidores, quando se trata de receber recomendações de produtos mais baratos e promoções ou condições exclusivas, assim como sugestões de produtos mais saudáveis (68%). O reabastecimento automático de carrinho de compras, por exemplo, é uma funcionalidade que agrada tanto às famílias de alta renda quanto às de baixa renda. De acordo com o estudo "Consumer Lifestyle in Brazil"(7), realizado pela empresa de pesquisa de mercado Euromonitor, 56% dos brasileiros buscam se distinguir das outras pessoas, com 19% buscando marcas superespecialistas em um único nicho para realizar suas compras, e 84% especialmente interessados em experiências organizadas sistematicamente. Ou seja, experiências cada vez mais personalizadas parecem atrair todas as gerações.

O que a EY descobriu, comparando os resultados das pesquisas sobre comportamento de consumidores e estratégias das empresas, é que 29% dos CEOs já veem o uso de dados como forma importante de aumentar as vendas dos produtos e serviços já existentes para segmentos de consumidores já consolidados. No entanto, apenas 11% consideram o uso de dados para criação de novos produtos e serviços como estratégia mais importante de crescimento. A pesquisa EY CEO Outlook Brazil 2022, realizada entre novembro e dezembro de 2021, ouviu 42 CEOs ​​de 13 diferentes setores da indústria, entre empresas de capital aberto e fechado, de todos os portes. O foco de pelo menos 22% das empresas está em desenvolver sistemas inovadores de distribuição e canais para interagir com os consumidores. É justamente nesta seara que existem muitas oportunidades de crescimento inorgânico, aquele conquistado intencionalmente por meio de estratégia e investimento. As empresas que utilizarem os dados de navegação on-line e conseguirem integrá-los com outros dados on-line e off-line disponíveis para entender profundamente o comportamento de seus consumidores, gerar insights e conquistar novos públicos, têm mais oportunidades de crescer. Por se tratar de conhecimentos muito específicos, as empresas precisarão realizar parcerias estratégicas, investimentos tecnológicos e em talentos, além de fusões e aquisições.

Quatro imperativos para o crescimento inorgânico:

  1. Descobrir e desenvolver parcerias que criam valor coletivo;
  2. Adquirir capacidades técnicas que amplifiquem e facilitem os acessos aos seus produtos; 
  3. Conhecer seus diferentes perfis de consumidores e personalizar suas experiências no ritmo em que seus hábitos de consumo mudam;
  4. Explorar os novos caminhos do digital integrando as capabilidades adquiridas.

Como se sabe, o contexto gerado pela pandemia acelerou tendências que já eram previstas, e encorajou empresas com capital disponível a testar novas ferramentas e ampliar investimentos na transformação digital. Por exemplo, a Nike, marca de vestuário mais valiosa do mundo², comprou pelo menos cinco empresas de tecnologia, desde 2018. As quatro primeiras aquisições são de expertises que se complementam para gerar uma experiência de personalização em larga escala, com recomendações e uma comunicação mais direcionadas, otimizando também a cadeia de suprimentos, logística e gestão de estoques³. São empresas de análise de dados de consumidores, de análise preditiva, de integração de dados e de visão computacional – sistemas capazes de gerar informações a partir de imagens e dados multidimensionais. A quinta aquisição, um estúdio de desenvolvimento de ativos virtuais baseados em realidade aumentada, autenticação blockchain e tokens não fungíveis, os NFTs, permitiu a entrada da Nike no metaverso (4), ambiente virtual que simula o mundo físico, onde se pode comprar e personalizar produtos como vestuário.

Para transformar os insights em novos produtos físicos ou virtuais para a Nike, cientistas de dados trabalham ao lado de estilistas e designers. Pensando nas novas gerações, a empresa lançou a Nikeland – um ambiente virtual inspirado nos edifícios de sua sede global – no jogo Roblox, que permite a criação e compartilhamento de experiências virtuais. Nele, os jogadores podem controlar seus avatares com os movimentos do próprio corpo, em jogos de esportes como atletismo, natação e parkour. Depois de solicitar o registo de suas marcas, logotipos e slogans como bens virtuais para download no órgão americano responsável, a Nike montou, no andar de coleções infantis da sua principal loja em Nova York, uma experiência de realidade aumentada que simula um jogo de caça ao ovo, inspirado na versão do Nikeland (5). Nota-se como as estratégias digitais estão conectadas entre si e podem estar atreladas às lojas físicas, para uma experiência omnichannel completa e a construção de relacionamento em diferentes pontos de contato – sem descolar do propósito do negócio de ser uma marca de esportes e lifestyle. O metaverso e o ambiente dos games virtuais trazem uma nova forma de fazer social selling. Além disso, no ambiente virtual, as marcas podem testar produtos antes de lançá-los na forma física.

De acordo com a empresa de dados financeiros Dealogic, o volume de fusões e aquisições realizadas no Brasil em 2021 cresceram 26% sobre o ano anterior, movimentando quase o dobro do valor de transações em reais. As aquisições permitem eliminar possíveis intermediários de serviços para estar mais próximo ao consumidor – uma forma de gerar maior confiança, competitividade, eficiência e agilidade. Assim, empresas estão criando um ecossistema ao redor de sua marca. Como é o caso da Magalu: nos últimos dois anos a varejista brasileira realizou mais de 20 aquisições voltadas aos consumidores, bem como aos vendedores. Foram desde empresas focadas em seu negócio principal, o varejo, até empresas de negócios adjacentes, fundamentais para a autonomia e sustentabilidade do negócio: logística, serviços financeiros, ferramentas de serviços digitais e produção de conteúdo. A empresa estava com dinheiro em caixa e aproveitou a pandemia para acelerar sua estratégia digital, tornando as vendas do e-commerce parte importante de seu faturamento. Após trimestres seguidos de aumento das vendas, a empresa se vê fortemente impactada pela alta inflacionária do país. Já que grande parte de seus clientes possuem renda de até R$ 2.500. 

Nem sempre as aquisições são a melhor estratégia. O que as empresas precisam ter em mente ao tomar decisões estratégicas de investimento é resolver as principais dores e anseios dos clientes. No caso do público brasileiro, a pesquisa FCI mostrou que as questões mais frustrantes da experiência de comprar on-line são o alto custo e a demora da entrega, o fato de que nem tudo está disponível on-line, ou de itens desejados estarem fora de estoque ou repostos por outras marcas, e eventualmente as compras chegarem danificadas. Ademais, a intensificação do uso de telas e dispositivos digitais, impostos para o trabalho e comunicação entre as pessoas desde o início da pandemia, criou a necessidade de voltar a passar mais tempo off-line. Esta é justamente uma prova da fluidez e do ritmo em que as preferências de consumo podem mudar no mundo de hoje. A fragmentação da rotina, com passeios pela vizinhança, pausas para o descanso ao longo do dia e o latente desejo de viajar torna ainda mais complexo descobrir não só o melhor momento de se comunicar com as pessoas, como também saber o quê e quando elas querem. Mas ao mesmo tempo, essa nova dinâmica de consumo oportuniza a oferta de novas experiências.

Pouco mais da metade dos brasileiros entrevistados pela EY estão dispostos a gastar mais para ter boas experiências. E isso pode incluir a exposição a novidades. De acordo com um levantamento (6) realizado pela Toluna, empresa de pesquisa remunerada, em parceria com a Local, empresa especializada em consumo local, 84% entre mil brasileiros entrevistados afirmam que gostam de experimentar produtos que ainda não conhecem. No entanto, 57% disseram ter visto poucas novidades nas lojas e canais de compras em meados de 2021. Por outro lado, em diferentes questões da pesquisa FCI, seja sobre o momento presente, ou ainda os próximos 12 meses, dois a três anos ou cinco anos, a atenção ao preço e a intenção de poupar dinheiro aparecem como prioridade número um dos brasileiros. O que pode instigar muitas empresas a pensar no que é estritamente essencial na concepção de um produto e na sua estratégia de vendas, a fim de reduzir o seu custo final. Outra alternativa pode ser investir em sistemas de análise em tempo real capazes de melhorar algoritmos de precificação.

Fato é que, passando mais tempo em casa nos últimos anos e se forçando a poupar em razão da inflação, as pessoas perceberam que podem viver com menos. Muitas até passaram a desejar isso, não somente por causa do dinheiro, mas porque querem tornar a vida mais simples. Os consumidores estão mais seletivos em suas decisões, deixando de comprar produtos que não precisam, mesmo que isso signifique perder as últimas tendências que estão em alta. As pessoas estão trocando produtos físicos por digitais, ou por experiências, ou por produtos de melhor qualidade, que durem mais e sejam de marcas mais confiáveis e alinhadas com seus valores pessoais.

Colaborou: Frederico Mascarenhas - Consultor da EY-Parthnon
                    Fabio Muggiati - Consultor Sênior da EY-Parthenon


Resumo

Os consumidores estão se acostumando com a ideia de que o mundo parece muito mais instável e incerto do que há alguns anos. Como parte desse ajuste, eles estão se reconectando com seus valores mais profundos e repensando o que querem da vida. Cada vez mais, eles valorizam a simplicidade, a flexibilidade e as experiências de fácil acesso que os ajudam a escapar da rotina diária. As empresas que desejam atender ou empregar esses consumidores precisam se transformar, para que atendam a essas novas expectativas.

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