A tragédia climática do Rio Grande do Sul e os principais impactos no mercado
As chuvas e cheias extremas responsáveis pelas inundações e deslizamentos no Rio Grande do Sul trouxeram à tona a vulnerabilidade das operações empresariais brasileiras diante dos efeitos das mudanças climáticas.
Em levantamento feito pela EY Brasil com base em fatos relevantes divulgados pelas Companhias abertas no mês de maio de 2024, foram relatados os seguintes efeitos:
- Interrupção da circulação de trens de carga e danos a ativos de infraestrutura da Rumo;
- Suspensão dos serviços de telecomunicação e perdas de equipamentos, impactando 15% dos clientes da Unifique no Estado;
- Suspensão das operações de polo petroquímico, alcançando 30% da produção de etileno da Braskem;
- Paralisação do comércio em lojas de rua e shoppings, chegando a 4% das unidades da Renner;
- Suspensão parcial das operações de empresas como Gerdau, Frasle, Weg e Marcopolo.
Esses efeitos ilustram a abrangência dos setores afetados e evidenciam os riscos físicos que exigem adaptação e mitigação às mudanças climáticas em curso.
Em outro levantamento realizado pela EY[1] referente às companhias integrantes do Novo Mercado e com base nos riscos divulgados em seus formulários 20-F, constatou-se que, das 187 companhias que integram o Novo Mercado, apenas 19 reportaram riscos climáticos, ao mesmo tempo em que o rank de riscos ESG saltou de 23º pra 5º (de 2022 para 2023) - a maior diferença entre os temas considerados. Nesse contexto, é possível que riscos climáticos estejam sendo sub divulgados e não adequadamente identificados.
As orientações da CVM diante dos riscos climáticos
A CVM, agência reguladora do mercado de valores mobiliários no Brasil, tem como missão assegurar a integridade do mercado, proteger os investidores e incentivar o desenvolvimento de um mercado de capitais eficiente. Suas funções incluem regulação, fiscalização, proteção ao investidor, desenvolvimento do mercado e julgamento de irregularidades.
Diante dos eventos no Rio Grande do Sul, a CVM publicou uma orientação dirigida às companhias abertas e seus auditores independentes para que estes considerem as consequências dos desastres em suas demonstrações financeiras – Ofício-Circular 01/2024, de 20 de junho. Para tanto, orienta que seja feito o tratamento contábil adequado referente aos riscos e incertezas relacionados à continuidade dos negócios e às estimativas contábeis – como recuperabilidade de ativos, valor justo, provisões e contingências, reconhecimento de receita e perdas esperadas.
O Ofício-Circular CVM 01/2024 também destaca a importância de informações específicas sobre riscos físicos, como inundações, em divulgações de sustentabilidade. Nesse ponto, o órgão regulador é explícito em solicitar que as companhias que estão adotando voluntariamente os padrões IFRS S1 e S2 prestem atenção especial aos seguintes requisitos de riscos:
· Com relação aos riscos de sustentabilidade (IFRS S1):
- A resiliência do seu modelo de negócio em vista das incertezas relacionadas à sustentabilidade;
- As políticas e processos utilizados para identificar, avaliar, priorizar e monitorar os riscos de sustentabilidade (incluindo dados e parâmetros; análise de cenários; avaliação de natureza, probabilidade e magnitude dos efeitos etc.);
- A integração dos processos de riscos e oportunidades de sustentabilidade com a gestão de riscos da entidade.
· Com relação aos riscos climáticos (IFRS S2):
- A resiliência climática do negócio com base em cenários de mudanças climáticas, incluindo: dados, fontes, escopo de operações, horizontes temporais, políticas climáticas, tendências macroeconômicas, variáveis em nível nacional ou regional, uso de energia;
- A divulgação de aspectos significativos de incerteza e sua estratégia de negócio para curto, médio e longo prazo, incluindo a disponibilidade e flexibilidade dos recursos financeiros para responder aos efeitos climáticos; a capacidade da entidade de redirecionar, reaproveitar, atualizar ou desativar ativos existentes; e o efeito dos investimentos atuais e previstos da entidade na mitigação, adaptação e oportunidades para a resiliência climática.
Apesar de a CVM reconhecer a complexidade da quantificação monetária dos impactos, a entidade orienta que as informações divulgadas reflitam a realidade econômica e tenham potencial preditivo. No ofício-circular em questão, a CVM enfatiza a necessidade de manter a qualidade no processo de elaboração e auditoria das demonstrações financeiras alinhadas aos padrões internacionais.
Concretização de riscos climáticos e precedente regulatório
Entendemos que o Ofício-Circular da CVM traz à tona o desafio – e a obrigatoriedade já prevista na Resolução CVM 193/2023, conforme âmbito e cronograma de aplicação – de identificar e quantificar os riscos climáticos, sendo dever das companhias abertas o fornecimento de informações precisas e relevantes, permitindo que investidores e stakeholders tomem decisões informadas.
A capacidade para identificar, quantificar e divulgar tais riscos exigirá elevada maturidade das companhias, demandando cada vez mais atenção às ações de governança climática, como planos de adaptação e mitigação, estratégias de redução de emissões e a incorporação dos riscos climáticos na gestão de riscos empresariais.