A tecnologia digital oferece um potencial enorme para aperfeiçoar a maneira como os governos interagem com seus cidadãos.
E o Brasil está progredindo de maneira impressionante por meio de várias iniciativas digitais em serviços de transporte, saúde, assistência social, segurança pública e outros – tanto que o país subiu de 54º para 49º no ranking global de governo eletrônico da ONU.[1]
No entanto, em um dos maiores países do mundo, com grandes diferenças geográficas, socioeconômicas e culturais entre as regiões, o caminho para a transformação digital apresenta muitos desafios.
Por esse motivo, o Brasil é um dos países no centro do Connected Citizens – o principal programa de pesquisa global plurianual da EY criado para entender como as pessoas se sentem a respeito dos avanços tecnológicos que estão moldando suas vidas.
Na última fase da pesquisa, nós nos aprofundamos, realizando workshops nos quais participantes conversaram longamente sobre a experiência de governo digital.
Empolgação e satisfação lado a lado com ceticismo e frustração
Entre os avanços digitais do Brasil estão as plataformas que oferecem pontos de acesso unificados para serviços governamentais e municipais, juntamente com uma ID e uma senha federal única e exclusiva – ‘gov.br” – para acessar serviços públicos.
Os participantes da pesquisa – que representam uma ampla amostragem da sociedade brasileira – utilizam uma grande variedade de serviços digitais para auxiliá-los no acesso a vacinas, resultados de exames médicos e unidades de saúde próximas, seguridade social e seguro-desemprego, renovação de carteira de motorista, registro de veículos e multas, registro de eleitores, serviços municipais, infraestrutura do transporte local e muito mais.
Eles reconhecem o quanto a digitalização facilita suas vidas e têm cada vez mais expectativas e apetite por serviços como telemedicina e marcação de consultas e exames.
No entanto, a cobertura da infraestrutura digital é desigual e algumas regiões do Brasil ainda não têm uma conectividade confiável com a internet. Em um país com desigualdade de renda significativa, a exclusão digital persistente significa que aproximadamente um quarto da população brasileira não tem acesso à internet.[2] Alguns dos cidadãos com quem conversamos sentem que essa exclusão aumentou devido à falta de conhecimento sobre como utilizar a tecnologia, bem como aos altos custos de assinatura de rede e dos dispositivos. De fato, três em cada dez pessoas pensam que a tecnologia aumentará ainda mais a desigualdade social.
Apenas 36% dos cidadãos brasileiros confiam no governo federal – bem abaixo da média de 51% da OCDE – isso explica, em parte, o porquê de apenas 42% se sentirem seguros em compartilhar seus dados pessoais online para acessar os serviços do governo, e de um terço das pessoas admitir estar hesitante em relação às IDs digitais.[3]
Passos menores podem levar a uma revolução digital de longo prazo
Os cidadãos brasileiros com quem conversamos expressaram sua preocupação com o fato de que serviços governamentais digitais relativamente avançados possam ser ambiciosos demais e “distantes da realidade do Brasil”. Em vez disso, eles consideram como prioridade melhorias nos serviços, na infraestrutura e na capacidade existentes, e obter uma conectividade mais igualitária para ampliar a inclusão digital, com foco em iniciativas menores e mais simples, o que forneceria uma base para expandir para serviços mais sofisticados.
Por exemplo, 38% dos participantes da pesquisa acreditam que o fornecimento de um melhor acesso à internet e a computadores deveria ser uma prioridade para o governo. E uma maioria – 68% – diz que utilizaria um programa de treinamento do governo para aprimorar suas habilidades digitais, se disponível.
Mobilidade é um assunto particularmente espinhoso no Brasil, com muitas e grandes conurbações urbanas que sofrem com congestionamentos significativos no transporte, com superlotação, longas horas de espera e de deslocamento. Os grupos sociais menos privilegiados sofrem mais, uma vez que tendem a viver mais distantes dos locais de trabalho, estudo, saúde, lazer e cultura.
A tecnologia já está sendo usada para melhorar de forma eficaz a experiência do trabalhador no transporte público. São Paulo fornece informações aos passageiros por meio da web e dos smartphones, aumentando a confiabilidade do serviço em 30%. Utilizando a Internet das Coisas (IoT), a cidade também está reunindo dados de diversas fontes para dar aos gestores dos transportes um quadro em tempo real das localizações dos ônibus, da capacidade dos veículos e do número de passageiros que embarcam em cada ponto.
Os sistemas de transporte inteligentes da cidade de Curitiba geram mapas dinâmicos do tráfego que antecipam os congestionamentos e estabelecem caminhos alternativos. E em outra cidade, Belo Horizonte, onde os ônibus sofrem frequentemente com a superlotação, os padrões de congestionamento são rastreados, permitindo que as rotas comerciais sejam reprogramadas em um curto espaço de tempo para atender à demanda.
Muitos dos apps existentes tendem a focar um tipo particular de mobilidade, como trem, ônibus, deslocamento a pé ou em bicicleta. Por esse motivo, discutimos com os participantes o potencial para um app único que reúna informações de todos os prestadores locais de transporte público para auxiliar as pessoas a administrarem melhor sua viagem até o trabalho, permitindo que elas planejem rotas em diferentes meios de transporte, com problemas e atrasos sinalizados em tempo real.
Os cidadãos brasileiros disseram estar animados com esse tipo de solução, uma vez que ela procura abordar um problema bem real – embora eles também tenham destacado que ela não funcionaria sem uma conectividade móvel confiável. Alguns até mencionaram estar cautelosos em usar seus telefones em público, com medo de serem roubados.
As redes viárias urbanas no Brasil também sofrem grandes congestionamentos. Integrar câmeras, sinais de trânsito, ônibus, viaturas policiais e ambulâncias, e aplicar soluções de dados antecipados de terceiros poderia acelerar as viagens com a abertura do sinal verde do semáforo para esses veículos. Um sistema integrado pode beneficiar todos os motoristas ao identificar congestionamentos reais e potenciais, permitindo que os gestores de mobilidade da cidade acessem a sinalização eletrônica de trânsito para desviar veículos para rotas alternativas e trocar a direção de rodovias com várias pistas para aumentar a capacidade. A integração de dados e dispositivos também pode beneficiar a segurança pública, assim como a mobilidade, identificando placas suspeitas e os rostos de criminosos.
Se for possível trazer inovação e soluções digitais para melhorar a qualidade do serviço de mobilidade sem ter que gastar mais dinheiro em ativos físicos, a percepção de soluções digitais melhora tanto para os cidadãos quanto para os governos e outras partes interessadas, como as concessionárias do setor privado. Isso deve acelerar o caminho para a transformação digital, onde sucessos visíveis abrem um ciclo virtuoso de investimento.
Seis princípios digitais para os governos brasileiros
A pesquisa Connected Citizens indica que os cidadãos estão prontos para aceitar as tecnologias e os dados digitais, com grandes expectativas de uma experiência mais rápida e conveniente e com resultados sociais positivos.
Para alcançar esses objetivos, o governo federal deve assegurar que as soluções digitais contemplarão seis princípios-chave:
1. Propósito claro: para engajar os cidadãos, os serviços digitais devem abordar um problema claro e presente, como viagens em transporte urbano mais confiáveis.
2. Benefícios tangíveis: serviços digitais devem oferecer benefícios diretos claros e tangíveis, como melhor velocidade, conveniência e simplificação.
3. Resultados positivos: é vital convencer o povo brasileiro de que a mudança digital é viável e beneficiará a sociedade em geral.
4. Transparência: reconhecer a complexidade da transformação com comunicações transparentes sobre custo, segurança de dados e continuidade dos serviços.
5. Interação humana: apoio humano empático para ajudar a resolver problemas complexos ou oferecer ajuda àqueles que são menos confiantes digitalmente.
6. Escolha do canal: os serviços digitais não devem ser obrigatórios até que sejam solucionadas as questões relativas à privacidade e segurança e acesso igualitário para todos.