O retorno do voto de qualidade, previsto na Lei 14.689/2023 publicada no fim do mês passado, exige das empresas uma nova avaliação do contencioso tributário, incluindo dos casos que estão sendo discutidos na Justiça. Em caso de empate nos julgamentos de disputas tributárias no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), a última instância de julgamento de questões tributárias na administração federal, o voto decisivo voltou a ser dos presidentes das sessões, posição sempre ocupada por representantes da Fazenda Nacional. Desde 2020, a lógica era contrária, com a prevalência da vontade do contribuinte em caso de empate nas decisões desse órgão, que, nas Turmas de Julgamento, conta com oito conselheiros, sendo quatro representantes da Fazenda Nacional e quatro representando os contribuintes.
A nova legislação trouxe a possibilidade de, ocorrendo o empate com derrota por meio do voto de qualidade, o contribuinte ter direito a ser exonerado da multa, que passa a ser de 100%, e não mais de 150% (essa porcentagem se aplica agora apenas aos casos de reincidência), e de não sofrer uma representação fiscal para fins penais. “Além disso, o contribuinte pode optar por pagar o principal em 12 vezes, por meio de uma manifestação de que não discutirá judicialmente a decisão do Carf. Esse principal em 12 vezes pode ser pago ou extinto mediante compensação com prejuízo fiscal e base negativa de contribuição social”, diz Rodrigo Munhoz, sócio de impostos da EY Brasil que esteve no evento “Mudanças Tributárias e Impactos Setoriais”, promovido pela EY, com a participação de empresas de diferentes setores que compartilharam os desafios trazidos pelas alterações recentes no sistema tributário, incluindo a MP 1185/2023 e as expectativas em relação à reforma dos tributos indiretos que está sendo discutida no Congresso Nacional. Caso o contribuinte escolha pelo parcelamento, a manifestação deve ser apresentada no prazo de 90 dias contados do julgamento, o que resultará na exclusão dos juros de mora até a data do acordo para pagamento.
Antes da nova lei, nos julgamentos de voto de qualidade contrário ao contribuinte, com o colegiado do Carf entendendo, portanto, como correto o auto de infração, a multa qualificada era mantida, e o administrador da empresa ou o responsável legal arrolado pelo fisco no processo de representação fiscal para fins penais precisava ir à delegacia prestar esclarecimentos. Agora já não existe mais essa situação, mas precisa haver o voto de qualidade. “Sempre que havia um auto de infração, mesmo em se tratando de voto de qualidade, a fiscalização considerava crime contra a ordem tributária, abrindo um processo de representação fiscal para fins penais. Em um julgamento de quatro a quatro, o que representa um entendimento muito longe da unanimidade, não dá para considerar a conduta analisada do contribuinte evidentemente fraudulenta, criminosa ou contrária à lei. Por esse motivo, houve um avanço para os contribuintes com o entendimento adotado por essa nova legislação”, observa Munhoz.
Ainda segundo o executivo, nas derrotas envolvendo o voto de qualidade, a opção do parcelamento deve ser avaliada caso a caso. Isso porque é dada ao contribuinte a possibilidade de ingressar no Judiciário para discutir a decisão do Carf. “Sempre que o contribuinte perde no administrativo, que é o Carf, ele pode judicializar. Já para o fisco, se a derrota for pelo voto de qualidade, não há essa possibilidade”, diz Munhoz. “O débito inscrito na dívida ativa, com sua execução proposta, traz um encargo de 20% para o contribuinte. Com a nova lei, ainda nesse contexto de voto de qualidade, o contribuinte pode judicializar sem ter que pagar esses 20% se for derrotado”. Além disso, aos contribuintes com capacidade de pagamento (grandes empresas), fica dispensada a apresentação de garantia para a discussão judicial dos créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade.
Prova ou tese?
O primeiro passo para decidir se o contribuinte judicializará ou aproveitará os benefícios assegurados pela lei, como o parcelamento em 12 vezes, é avaliar como o Judiciário tem tratado o tema. É um caso que envolve matéria de prova ou de tese? Em caso de prova, quais documentos preciso para demonstrar que estou com a razão na discussão judicial. Quando envolve prova, há um perito que avalia livros contábeis, quando a nota foi emitida, se ela está certa ou errada, entre outras evidências. “É relevante, ainda, analisar o que faltou para ganhar no administrativo e se esses elementos faltantes podem eventualmente ser obtidos”, diz Munhoz. Já em caso de tese, a orientação é verificar como o Judiciário tem decidido processos semelhantes, o que permite compreender o entendimento dos juízes.
“Outra novidade trazida pela Lei 14.689/2023 é que, mesmo para os casos nos quais o contribuinte já perdeu no Carf pelo voto de qualidade e está discutindo na Justiça, ele tem direito aos benefícios, como o parcelamento. Sendo assim, as empresas devem avaliar não apenas os processos perdidos pelo voto de qualidade no âmbito administrativo, mas também aqueles em discussão no Judiciário”, finaliza Munhoz.