A tributação no destino está entre as principais mudanças da reforma dos tributos incidentes sobre o consumo. O texto constitucional, promulgado no fim do ano passado, alterou a tributação da origem para o destino com o objetivo principal de possibilitar o fim da guerra fiscal entre os estados, que não poderão mais usar incentivos fiscais para atrair as empresas interessadas na instalação de fábricas ou unidades de produção. Na prática, a tributação no destino significa tributar o consumo – diferentemente do modelo anterior, que, ao tributar na origem, atingia a produção. O IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência compartilhada entre estados e municípios, será devido no destino. Isso significa que o valor arrecadado por esse tributo será revertido em políticas públicas no local de consumo do produto ou serviço.
Os questionamentos surgem em relação a como definir com precisão o local do consumo em alguns casos, especialmente naqueles inseridos na dinâmica da economia digital. A expectativa é que sejam criados critérios específicos por meio da lei complementar que regulamentará diversos pontos da reforma tributária. O prazo é de 180 dias contados da promulgação da reforma para que o Poder Executivo envie para o Congresso Nacional os projetos de lei voltados para essa regulamentação. “Para entender o destino, o primeiro passo é compreender onde efetivamente o produto ou serviço está sendo consumido, mas isso assume uma enorme complexidade em alguns casos”, diz Virgínia Pillekamp, sócia especialista em tributos indiretos da EY, que participou do debate “Reforma Tributária foi aprovada. E agora?” promovido pela EY.
Como exemplo disso, a especialista cita uma empresa com vários estabelecimentos espalhados pelo Brasil comprando um software que será utilizado por todos eles. “Onde se dará o consumo desse software? Será na matriz porque foi quem pagou pelo software ou porque simplesmente se trata da matriz? Qual será o critério para determinar onde foi o consumo e, portanto, para quem o imposto precisará ser pago? Essas são apenas algumas das perguntas que precisarão ser respondidas pela lei complementar”, explica.
Um dos objetivos da reforma tributária é diminuir a geração do contencioso tributário, que, no Brasil, considerando a soma dos processos judiciais e administrativos, corresponde a R$ 5,4 trilhões, de acordo com relatório do Insper publicado em 2019 – valor equivalente a 75% do PIB do Brasil desse mesmo ano. “A legislação complementar que vai regulamentar a tributação no destino precisa ser muito clara e robusta para que não resulte em uma enxurrada de contenciosos sobre essa questão”, complementa Virgínia. “Como esse conceito da tributação no destino é novo para o Brasil, não temos jurisprudência formada a respeito, impossibilitando que os legisladores olhem para isso no momento da formulação das regras”.
Para Waine Peron, sócio-líder de impostos da EY Brasil, a reforma traz uma série de preocupações não só para a área tributária como para outros stakeholders nos aspectos estratégicos, táticos e operacionais. “Há situações que não estão bem delineadas, como a tributação no destino e o imposto seletivo, o que exige atenção das empresas para as definições que virão por meio de lei complementar”.
Período de transição
Mesmo em meio a essa e outras indefinições, as empresas precisam desde já se prepararem para o período de transição da reforma tributária. “Serão sete anos de convivência – de 2026 a 2032 – com dois sistemas tributários paralelos. O desafio das empresas, independentemente das definições que serão trazidas pela lei complementar, será parametrizar seus sistemas para que a atual sistemática de tributos funcione com a implementação ao mesmo tempo da sistemática seguinte”, diz Paula Pitão, sócia especialista em tributos indiretos da EY, que também participou do debate.
Ao analisar a demonstração financeira dos contribuintes, comenta Paula, é possível identificar valores expressivos em relação aos créditos de tributos. “Não há, no entanto, prazo para devolução desses valores no texto aprovado da reforma tributária. Esperamos que esse ponto seja solucionado pela lei complementar”, afirma. Ainda segundo ela, o imposto seletivo também traz preocupação, já que sua possibilidade de incidência está muito aberta – sobre produtos que prejudiquem o meio ambiente e a saúde, sem detalhamento. Esse cenário traz insegurança jurídica, o que vai na contramão do objetivo da reforma tributária, que pretende tornar mais transparentes as regras dos tributos incidentes sobre o consumo.