A COP28 chegou ao fim ontem, um dia depois do planejado por causa da necessidade de mais discussões sobre o texto final, com o anúncio da primeira edição da história do global stocktake ou inventário global de emissões. Ainda que o documento aprovado não preveja a eliminação ou abandono dos combustíveis fósseis, como chegou a estabelecer em versão anterior, ele traz o compromisso inédito de promover a transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos. Estabelece, ainda, a necessidade de triplicar até 2030, em nível mundial, a capacidade de energia renovável e dobrar a taxa média anual de melhorias na eficiência energética. Essas medidas são consideradas fundamentais para manter o avanço da temperatura em 1,5ºC até o fim deste século, conforme estabelece o Acordo de Paris. A substituição de fontes de energia como petróleo, carvão e gás por matrizes limpas, como eólica, solar, hidrogênio verde e biocombustíveis, foi o principal tema deste ano da conferência do clima realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
“O documento reconhece o papel do setor privado nesse processo e destaca a necessidade de os países fortalecerem seus incentivos e suas regulamentações, oferecendo condições favoráveis para atingir a escala de investimentos que permita uma transição global voltada para baixas emissões de gases de efeito estufa”, diz Ricardo Assumpção, CSO (Chief Sustainability Officer) da EY e líder de ESG e Sustentabilidade, que participou da COP28 como palestrante e moderador de painéis. “Ficou evidente mais uma vez a relevância das empresas nessas discussões do clima na COP28, cujas definições do texto final dependem delas para que sejam bem-sucedidas, criando oportunidades que só poderão ser aproveitadas se a sustentabilidade estiver plenamente integrada ao negócio”.
Ainda segundo o executivo, outro ponto relevante do texto final do global stocktake é o estímulo à implementação de soluções integradas e multissetoriais baseadas na natureza e na agricultura sustentável, o que envolve o uso da terra. “Isso quer dizer que a natureza deve fazer parte das estratégias corporativas e das tomadas de decisão. E isso só ocorre por meio da transição dos negócios para incorporar a natureza como solução, promovendo a descarbonização da cadeia de valor de ponta a ponta, modelos de negócios de economia circular, preservação da biodiversidade, entre outras ações”.
O global stocktake ressaltou inclusive a importância de conservar, proteger e restaurar a natureza e os ecossistemas para alcançar os objetivos do clima, brecando a devastação e promovendo o reflorestamento até 2030, em conformidade com o Kunming-Montreal Global Biodiversity Framework. Para que o mundo possa zerar suas emissões líquidas de carbono (net zero), o documento menciona que precisam ser investidos US$ 4,3 trilhões por ano em energia limpa até 2030. A partir daí, o valor fica ainda maior: US$ 5 trilhões anuais até 2050. Já sobre o cálculo das necessidades de financiamento de adaptação dos países em desenvolvimento às mudanças climáticas, o valor estimado publicado no documento está entre US$ 215 bilhões e US$ 387 bilhões anuais até 2030.
“Os valores são altos e só poderão ser viabilizados ou parcialmente viabilizados por meio da união de esforços entre governos, empresas, ciência e sociedade civil. As soluções precisarão ser pensadas de forma conjunta para que possam, ao mesmo tempo, endereçar os desafios urgentes do clima e manter a rentabilidade das organizações”, afirma Assumpção.
Outras definições do global stocktake
O documento aprovado manifesta “profunda preocupação” com o fato de que 2023 será o ano mais quente já registrado, o que demonstra, ainda segundo a versão final do global stocktake, que os efeitos das mudanças climáticas estão acelerando. Além disso, fez questão de registrar as conclusões recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), estando entre elas as três seguintes:
1) As atividades humanas, principalmente por meio das emissões de gases de efeito estufa, causaram aquecimento global de cerca de 1,1ºC;
2) Os impactos das alterações climáticas causadas pelo homem já estão sendo sentidos em todas as regiões do mundo, em especial pelos mais vulneráveis a esses efeitos, que são aqueles que menos contribuíram para o aquecimento global;
3) A maioria das respostas de adaptação é fragmentada e distribuída de forma desigual entre as regiões.
Ainda de acordo com o global stocktake, para limitar o aquecimento global a 1,5ºC, são necessárias reduções profundas, rápidas e sustentáveis das emissões globais de gases de efeito estufa: 43% até 2030 e 60% até 2035, em comparação com o nível de 2019, além de emissão líquida zero de carbono até 2050. Isso só será possível, além das medidas já comentadas, se o mundo promover os seguintes esforços:
- Acelerar os esforços para redução progressiva da energia proveniente da "unabated coal power", que ocorre quando a queima do carvão resulta em emissões lançadas diretamente no ar, sem tecnologia que reduza esse impacto para o meio ambiente;
- Acelerar os esforços em nível mundial no sentido de adotar sistemas energéticos com emissão líquida zero de carbono bem antes ou por volta da metade do século;
- Abandonar os combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década, de forma a atingir emissão líquida zero de carbono até 2050, em conformidade com as diretrizes científicas;
- Acelerar tecnologias com zero ou baixa emissão de carbono, como renováveis (solar e eólica, por exemplo), nuclear e hidrogênio verde, além de soluções tecnológicas para redução e remoção de carbono, especialmente em setores altamente poluentes;
- Reduzir substancialmente as emissões de metano até 2030;
- Acelerar a redução das emissões provenientes do transporte rodoviário, por meio da rápida implantação de veículos com zero ou baixa emissão;
- Eliminar gradualmente os subsídios para combustíveis fósseis.