Artigo: Cadeia de suprimentos depende de resiliência, planejamento e foco em ESG

4 minute read | 15 mar 2023


Por Jerri Biscuola e Adiemir Hortega, que são respectivamente sócio e gerente sênior de Supply Chain e Operações da EY

Viver em um mundo conectado e globalizado é também compartilhar os desafios e impactos de uma rede integrada. Os últimos três anos trouxeram exemplos significativos desse grande fenômeno, destacando a complexidade de se adaptar perante uma instabilidade da cadeia global. De um navio encalhado a uma guerra entre potências, ou até mesmo uma pandemia, o que poderia ser tratado anteriormente como uma ameaça distante chama atenção hoje em relação à capacidade de os negócios serem resilientes. Os consumidores observam distantes esse impacto no supply chain, mas veem os preços finais aumentarem e o poder de compra das famílias ser reduzido. Estar ou não preparado para novas ameaças, rupturas e pressões inflacionárias será o diferencial de destaque ou ruína dos negócios nos próximos anos.  

Com o comportamento dos preços de alimentos e bebidas, de combustíveis e matérias-primas dos últimos três anos, é possível observar uma crescente nas curvas de preços a partir do segundo trimestre de 2020, com o início da pandemia. Entretanto, tais preços continuam sendo impactados mesmo após a volta da normalidade, devido à inflação global causada pela guerra da Ucrânia, realocação de investimentos de transição energética para fontes mais sustentáveis, eventos de ruptura da cadeia de abastecimento com o acidente no Canal de Suez e lockdowns na China - disparando o preço do petróleo, comprometendo a oferta de insumos e alimentos e comprimindo os rendimentos das famílias.

A herança da pandemia, associada à alta da inflação, diminuiu drasticamente os níveis de consumo globais, trazendo instabilidade, altas de estoque e um consumidor mais preocupado e seletivo. Todas essas incertezas econômicas despertam uma ansiedade no cliente, que passa a enxergar os fatores disruptivos como parte do novo normal. Pesquisas de consumo da EY indicam que caiu para 53% o número de pessoas que acreditam na manutenção da sua perspectiva de vida nos próximos três a quatro meses, ao mesmo tempo que 67% dizem pensar muito sobre o futuro e o que realmente importa para elas.

Os consumidores estão cada vez mais conscientes e insensíveis ao impacto psicológico de eventos disruptivos, o que os torna mais resilientes às crises existentes, mas igualmente mais cautelosos sobre possíveis novas crises. Isso impulsionará hábitos de consumo que priorizam o valor sem comprometer a qualidade, experiência ou propósito. É essencial que as empresas se preparem para uma rápida adaptação para o agora, mas pensando na relevância que terão no futuro.

Nesse contexto, a agenda ESG ganha um novo potencial. O consumo se torna cada vez mais consciente, e os impactos ambientais ganham espaço dentro das prioridades do dia a dia - 67% dos consumidores dizem levar consigo sacolas retornáveis quando vão fazer compras e 81% dizem tentar economizar no consumo de água. Apesar de as pequenas ações fazerem diferença, é esperado o protagonismo das empresas na liderança das iniciativas para incorporar práticas sustentáveis ​​na sociedade e melhorar a qualidade de vida geral.

Além disso, as mudanças climáticas também têm cada vez mais impactado a vida das pessoas. O que era antes apenas uma preocupação, hoje se demonstra em números do aquecimento médio da Terra em comparação aos níveis pré-industriais. Incêndios generalizados, inundações, calores intensos em locais de muito frio e secas intensas como a que vivemos no país em 2021 são consequências diretas que impactam a vida de todos. À medida que o aumento da temperatura derrete as calotas polares, o nível global do mar aumenta. Sem medidas de adaptação, as cidades costeiras sofrerão grandes efeitos até 2070, com bilhões de ativos urbanos em perigo, mais de 10 vezes os níveis atuais, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

O Brasil se destaca entre os países onde o perfil de consumo consciente está cada vez mais emergente. O consumidor brasileiro, que considera aspectos ambientais como principal ponto na hora da compra, vem crescendo como um segmento forte e estável. Esse tipo de cliente é mais consciente e privilegia os produtos locais, além de exigir mais transparência na cadeia. Inclusive, o FCI, estudo desenvolvido pela EY, aponta que 25% dos entrevistados se posicionam com esse perfil de consumo. Apesar de estarem ativamente mudando para alternativas sustentáveis nos produtos que compram, eles dizem que os preços altos os impedem de comprar produtos sustentáveis, o que torna o desafio de ser sustentável ainda mais crítico ao considerar o repasse do preço ao cliente final.

É preciso ter uma rede transparente e confiável de ponta a ponta. Dessa forma, a abordagem dos programas de sustentabilidade deve ter uma visão interna para as demandas da empresa, mas é indispensável incluir e engajar os demais elos da cadeia, trazendo para a mesa fornecedores, empresas parceiras e prestadores de serviço.

O foco nas cadeias de suprimento é fundamental para os esforços ambientais, sociais e de governança porque estudos globais mostram que mais de 90% das emissões de gases do efeito estufa de uma organização e 50% a 70% dos custos operacionais são atribuíveis ao supply chain.

O desafio de concretizar as transformações na rede vai além de definir metas a longo prazo. A falta de visibilidade, de tecnologias e de programas abrangentes para medir o seu progresso atrasa as implementações da agenda ESG nas cadeias. O desafio é se tornar sustentável e se manter competitivo no mercado. Para enfrentá-lo, é preciso construir business cases que apoiem as despesas e os custos iniciais.

Seguindo a tendência do mercado consumidor, a visibilidade da cadeia é a principal prioridade entre os executivos. Apesar de liderar o barco, é preciso incluir os fornecedores e enfrentar os desafios das pontas iniciais, onde a criticidade e a pressão por transformações tendem a crescer fortemente nos próximos anos. Essa visibilidade vai além de atender às exigências do cliente final, devendo as empresas observarem os pontos de fragilidade, com a identificação de lacunas de eficiência.

*Este artigo foi publicado inicialmente no Correio Braziliense e em outros veículos da imprensa.



Resumo

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