4 Minutos de leitura 31 jul 2021
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Como criar uma empresa mais diversa e inclusiva

4 Minutos de leitura 31 jul 2021

Responsabilidade social está há muito tempo no vocabulário das empresas. O desafio atual é representar os clientes na liderança da empresa leva a melhores resultados financeiros.

A visão social dos negócios vem evoluindo significativamente e, nesse processo, amplia seu escopo. Se no passado o S do ESG era percebido como responsabilidade social e “fazer o bem”, em um momento mais recente passou também a ser avaliado com base na geração de impacto nos negócios. Atualmente, estamos entrando em uma terceira fase, que acrescenta a esses pontos um fator relevante: garantir a perenidade da companhia.

Para prevalecer daqui em diante, as empresas precisarão ser socialmente responsáveis. Um fator particularmente importante nesse sentido é a ascensão da Geração Z no mercado de trabalho. A população nascida após os anos 90 representa uma parcela cada vez mais importante do mercado de trabalho e caminha rapidamente para se tornar o grupo populacional com maior poder econômico. Seus valores e visão de mundo passam a influenciar cada vez mais as decisões de negócios.

Atualmente, segundo estudos da EY, cerca de 70% da população global pode ser inserida em algum grupo de diversidade. Consumidores e colaboradores são muito mais diversos do que já foram, e isso impacta profundamente seu comportamento e seu mindset. As gerações mais novas, especialmente, não compram somente produtos, mas também os princípios e valores de quem está vendendo. Empresas diversas, inclusivas e socialmente responsáveis se tornam mais relevantes para os consumidores e aquelas que não são poderão sofrer boicotes.

Os colaboradores também passam a selecionar onde trabalhar em função da liberdade que têm para serem eles mesmos. Como resultado, empresas inclusivas e socialmente responsáveis atraem e retém melhores talentos, fomentam a inovação, geram novas perspectivas e alcançam melhores resultados.

Por gerar melhores resultados, empresas socialmente responsáveis passam a ser preferidas por investidores. Com isso, o que no passado significava apenas “fazer o bem”, agora passa a ser fundamental para garantir o desenvolvimento e a perenidade dos negócios.

A evolução da agenda S do ESG dos talentos para os negócios passa a incorporar agora uma agenda ligada ao risco. O aumento da visibilidade de questões relacionadas a assédio, discriminação e tratamento impróprio de equipes é uma consequência do aumento da diversidade nas empresas. Conflitos sobre diferenças surgem, mudanças culturais e comportamentais passam a ser necessárias para construir ambientes cada vez mais inclusivos, e livres de vieses, e torna-se imprescindível tratar esses temas em uma agenda estratégica.

Três agendas, três esferas

Com a evolução das questões sociais para três agendas distintas (talentos, negócios e risco), surgem três esferas claras de influência do S do ESG na estratégia corporativa.

A primeira delas é a esfera mais tradicional, que olha o S pela comunidade. É a responsabilidade social externa, filantrópica, que visa contribuir para a evolução das comunidades e para o desenvolvimento socioeconômico. A abertura de institutos e fundações para endereçar as questões ambientais e sociais é uma característica marcante das empresas, que continua em ritmo forte. Não é à toa que a geração de empregos nas comunidades é um dos aspectos mais ressaltados nos relatórios de responsabilidade social das empresas.

A segunda esfera vem ganhando força e diz respeito a como a empresa contribui para a evolução de seus próprios colaboradores. Existem duas faces importantes desse prisma social: bem-estar e inclusão/diversidade. Especialmente, desde o início da pandemia, as questões relacionadas ao bem-estar e à saúde mental das equipes ganharam destaque, uma vez que o trabalho remoto nem sempre se traduz em maior qualidade de vida. Com muita frequência, acaba se transformando em insegurança em relação ao seu emprego, jornadas de trabalho ainda mais intensas, acúmulos de tarefas profissionais e domésticas/pessoais e burnout. Endereçar o pilar do bem-estar e da saúde mental contribui para o desenvolvimento de ambientes de trabalho mais sadios, dentro ou fora do escritório.

A outra face é a da inclusão/diversidade, em que práticas e métricas vêm sendo desenvolvidas e implementadas em todo o mundo. Em alguns casos, são métricas claramente identificáveis, como a quantidade de homens e mulheres, ou segmentações do ponto de vista racial, de orientação sexual ou de pessoas com deficiência. Realizar um censo para entender onde cada empresa está nesse processo é um primeiro passo importante, bem como eliminar o viés inconsciente e gerar critérios claros de recrutamento, seleção e promoção.

As empresas estão cada vez mais diversas, mais ainda precisam ter mais equidade e ser mais inclusivas, e esse é um terreno em que é possível avançar muito. Nem sempre a diversidade significa mais inclusão, nem sempre os colaboradores sentem que se tornaram parte da empresa, com voz ativa e autonomia na tomada de decisões (senso de pertencimento). Nesse sentido, aspectos tangíveis, como a equidade salarial, podem e devem ser incorporados aos negócios, assim como ações afirmativas para fomentar uma cultura mais acolhedora e acessível, como, por exemplo, revisão de políticas e formação de grupos de afinidades.

A terceira esfera é a carreira. Será que os colaboradores diversos incluídos às equipes das organizações estão progredindo? Qual é o percentual de mulheres e negros em cargos de liderança, por exemplo? Não se trata simplesmente de cumprir uma cota ou apenas de buscar alguma forma de reparação histórica: existem também razões muito objetivas e pragmáticas para aumentar a diversidade nos níveis mais sêniores.

Em primeiro lugar, quanto mais diversa e inclusiva for a empresa, mais visões diferentes sobre os desafios de negócios, maior a possibilidade de ter role models inspiradores para toda a empresa e, com isso, maior a capacidade de retenção de talentos. Empresas mais progressistas têm, nesse sentido, desenvolvido metas de avaliação de líderes que estão ligadas à diversidade e são atreladas à remuneração variável. Dessa forma, cria-se um estímulo palpável ao fomento da diversidade.

Entretanto, perseguir a representação de determinados perfis na liderança não depende somente do cumprimento de uma cota, ou de simplesmente “dar passagem”. Estudos comprovam que, organicamente, as empresas não chegarão lá - o Fórum Econômico Mundial estima 257 anos para atingirmos equidade de gênero. É preciso, em paralelo, capacitar os profissionais ao longo de todos os níveis hierárquicos. Colaboradores diversos de nível básico devem encontrar, dentro da empresa, o incentivo para que se tornem líderes, e os líderes precisam ter condições para se desenvolver rumo aos níveis mais sêniores com equidade de oportunidades. Sem isso, cria-se uma espécie de “dilema de Tostines” ao contrário: não temos líderes diversos porque não há capacitação ou não existem ferramentas de capacitação porque não existem líderes diversos que as apoiem e as promovam?

Costumamos dizer que diversidade não é promover os despreparados, e sim preparar os que serão promovidos. Para isso, é necessário tratar os aspectos de sucessão e capacitação do pool de talentos da companhia, mapeando as posições que se abrirão nos próximos anos e quais as competências necessárias para assumi-las. A partir daí, ocorre o mapeamento dos profissionais de alto potencial técnico, levando em conta também a necessidade de diversidade e a representação tanto dos colaboradores quanto dos consumidores.

Quando esse processo é bem desenvolvido, as companhias passam a ter um pool a ser ativado nos momentos de sucessão e expansão dos negócios. Os programas de capacitação mais bem-sucedidos funcionam como um roadmap, composto por três fases muito claras. A primeira é o aprendizado das competências necessárias, tanto em hard skills quanto em soft skills. A segunda é o desenvolvimento de experiências que solidifiquem esses conhecimentos. Por fim, uma política contínua de orientação durante a jornada de carreira, com ações de mentoria e acompanhamento da performance.

Muito mais que um exercício de compliance

O exercício de desenvolver lideranças diversas deve ser acompanhado por outras práticas que até recentemente não eram nem consideradas. Um bom exemplo é o do viés inconsciente: os conceitos e crenças que naturalmente assumimos como verdadeiros com base na recorrência ou significância de vivências do passado. É necessário trazer a consciência e ressignificar estes conceitos com base em uma visão de presente e futuro, especialmente em um mundo em constante mudança, como o que vivemos. Não questionar o viés inconsciente leva a dar preferência, por exemplo, a homens para cargos em que seja necessário viajar muito (assumindo inconscientemente que as mulheres teriam mais dificuldade em viajar por causa dos filhos).

Ao mesmo tempo, é preciso haver um alinhamento de posicionamento constante de toda a liderança da empresa não apenas nas práticas externas, mas também no relacionamento com as equipes. Toda a liderança precisa se comportar como uma, o que naturalmente exige que todos aprendam a lidar com as questões de diversidade e inclusão.

A estruturação das políticas de diversidade e inclusão como uma estratégia ligada ao propósito corporativo, para aumentar a competitividade da companhia em múltiplas dimensões, vai muito além de um exercício de compliance e uma vitrine de marketing. É uma transformação cultural dos profissionais e de toda a empresa para abraçar a diversidade e a inclusão e gerar novas oportunidades de inovação e crescimento em um mundo cada vez mais complexo.

Cada empresa percorre uma jornada de negócios diferente e, por isso, precisa ter em seus quadros a diversidade que faça sentido para ela e para o conjunto de consumidores que ela representa. Inclusive, em seu Conselho de Administração. Parece claro que uma empresa de games que tenha 90% de seus clientes abaixo dos 20 anos, mas que só conte com profissionais de mais de 60 anos em seu board, não conseguirá entender seu público e terá dificuldades no médio e longo prazo. O mesmo vale para a diversidade racial ou de gênero.

Aumentar a diversidade nos Conselhos de Administração, porém, pode exigir uma mudança de postura, abandonando alguns critérios tradicionais de indicação de membros que não necessariamente façam sentido para a realidade daquele negócio: os chamados “requisitos excludentes”. Cada vez mais, os boards das empresas precisarão se perguntar se, por exemplo, é preciso ter apenas membros com experiência de CEO. Companhias focadas em seus consumidores precisam dar voz ao púbico, e isso passa por uma maior diversidade também nos Conselhos de Administração. Neste ponto, as mudanças nos aspectos sociais influenciam e são influenciadas pela governança corporativa.

As questões sociais devem ser avaliadas em conjunto com os aspectos ambientais e de governança. ESG se soletra em conjunto, e não como letras separadas. O S do ESG representa uma geração de valor de longo prazo e um desafio que é único para cada empresa. A tendência é que a evolução faça com que as métricas de longo prazo (atingir equidade em 30 anos, por exemplo) sejam acrescidas de indicadores e ações de curto prazo, permitindo um acompanhamento mais próximo de métricas menos inspiracionais e mais pragmáticas. E, como consequência, gerando mais consistência e mais representatividade. O valor de longo prazo (long term value), que os investidores tanto procuram ao exigir ESG, precisa começar a ser construído pelas organizações hoje.

 

Conteúdo originalmente publicado na edição n°7 da Veja Insights, em parceria com a EY

Resumo

A responsabilidade social está há muito tempo no vocabulário das empresas. O desafio atual é representar os clientes na liderança da empresa leva a melhores resultados financeiros.

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