17 nov 2022
Entrevista Gesner Oliveira

EY entrevista: Gesner Oliveira

Por EY Brasil

Ernst & Young Global Ltda.

17 nov 2022

Com uma carreira na área pública e privada, acadêmica e executiva, Gesner Oliveira participa de Conselhos de Administração desde o início dos anos 2000. Seu foco é nos assuntos regulatórios, nas questões ambientais, sociais e de governança e na sustentabilidade financeira dos negócios.

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outor em Economia pela Universidade da Califórnia em Berkeley, com mestrado na Unicamp e graduação pela USP também em Economia, Gesner Oliveira preside o Conselho da Estre Ambiental, uma empresa de usinas de biogás gerado a partir de aterros sanitários.  Na petroquímica Braskem, coordena o Comitê de Conformidade e Auditoria, e na operadora de telefonia Tim, coordena o Comitê de Auditoria – em ambas empresas é membro do Conselho de Administração.

Gesner é membro do Conselho de Autorregulação da Federação Brasileira de Bancos, a Febraban, e na Fundação Getulio Vargas, onde leciona desde 1990, coordena o Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais. Seu livro mais recente, “Nem negacionismo nem apocalipse – Economia do meio ambiente: uma perspectiva brasileira”, publicado em 2021 em coautoria com Artur Villela Ferreira, é finalista no Prêmio Jabuti, um dos mais tradicionais da literatura, concedido pela Câmara Brasileira do Livro.

Em 1997, após participar da implementação do Plano Real, Gesner publicou o livro “Brasil real: desafios da pós-estabilização na virada do milênio”, e recebeu o Prêmio Jabuti. Depois, presidiu o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), até 2000.  Mas se aprofundou de verdade sobre os assuntos socioambientais quando foi presidente da Sabesp, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, entre 2007 e 2011. A companhia é listada no Novo Mercado da B3 e tem recibos de depósitos (ADRs) negociados na Bolsa de Nova York.

Aos 66 anos de idade, Oliveira é casado há 33, tem dois filhos, de 27 e 25 anos, e se dedica disciplinadamente a treinar corrida e natação. “Esporte pela manhã é essencial, sem isso não dá para eu sobreviver. Gosto de acordar muito cedo, normalmente às 5h30”, conta. Ele que está se preparando para sua 20º Corrida Internacional de São Silvestre.

1.     Como foi a sua jornada até se tornar membro de Conselho de Administração?

Eu tive uma formação mais voltada para a carreira acadêmica, mas depois fui trabalhar para o governo, ligado ao Ministério da Fazenda e presidi o Cade. Eu tinha uma visão mais de macroeconomia, como deter um processo superinflacionário e passei a ter experiência também em microeconomia, nas várias cadeias produtivas. Depois fui ser consultor e aí surgiu o convite para integrar o Conselho da Varig, uma experiência desafiadora. Infelizmente não conseguimos evitar (a falência) porque já tinha uma crise. Nessa época, o Conselho da Usiminas passou por uma disputa societária forte e foram convidados alguns membros independentes, fiquei por dois mandatos e tive uma experiência muito gratificante porque a Usiminas realmente deu uma virada grande. Conheci mais da siderurgia, a lógica das regras de Conselhos para superar divergências e trabalhar em prol da companhia. Até que me tornei presidente da Sabesp, que já tinha vários elementos de governança que a lei das estatais veio colocar mais tarde. Eu reportava ao Conselho, e paralelamente participava como conselheiro em outras estatais, a Nossa Caixa e a CESP (Companhia Energética de São Paulo). Depois disso tive uma experiência na Iguá Saneamento. Na área de resíduos sólidos, fui convidado para o Conselho da Estre Ambiental no momento em que a empresa estava entrando na Nasdaq. Foi interessante para se familiarizar com uma legislação bastante peculiar, se aproximar investidores estrangeiros, operadores estratégicos. A empresa entrou em recuperação judicial, e ficou menor, mas está em uma rota de bom desempenho. Também fui convidado para o Conselho da Braskem, no contexto da reformulação do comitê de compliance, após problemas nessa seara. Estou no Conselho da Tim, que também passou por uma transformação impressionante, crescendo e melhorando sua qualidade. Outra experiência fascinante foi no conselho consultivo mundial da Uber, quando ela estava entrando em vários mercados – Argentina, Brasil, China, Europa – e aí resolveu fazer um conselho mundial para discutir a estratégia, sobretudo porque era muito nova e agressiva, tendo em vista as regulações nacionais. Não deliberávamos, era mais um fórum de discussão e aconselhamento à alta direção, uma forma de testar e romper paradigmas. Com a minha experiência no Cade, tinha uma visão de antitruste e da inovação quebrando as pequenas reservas de mercado locais.

2. Quais temas você dedica a maior parte do seu tempo enquanto conselheiro?

Chamaria atenção para três blocos. É inescapável para todos os conselheiros, o bloco das demonstrações financeiras, os resultados trimestrais exigem uma grande atenção. O segundo bloco está ligado à ESG e sustentabilidade, temas muito caros para mim do ponto de vista acadêmico, escrevi um livro recente, "Nem negacionismo, nem apocalipse", que chegou a finalista do Prêmio Jabuti. Sou membro do comitê de ESG da Tim, dou aula de economia do meio ambiente. É um tema que realmente me conquistou desde os tempos de Sabesp, e mesmo antes, nos anos de 1970 na faculdade, eu frequentei um curso de environment economics, nos Estados Unidos. O terceiro bloco está muito ligado à experiência do Cade, mais fundamentalmente à compliance, novas práticas, código de conduta, controles internos.

3. Você teria indicações culturais e de fontes de conteúdo relevantes para auxiliar seus pares a refletir acerca dos desafios no Conselho?

Gosto muito da série de cursos do IBGC, também os treinamentos sobre temas específicos. Eu acabo de sair de um deles sobre a legislação em defesa da concorrência. Os temas estão em constante transformação, daqui a seis meses vai haver novas medidas de CVM, SUSEP, Banco Central e também novos modelos de negócios no mercado. Gosto muito de pegar um tema e ligar com o cardápio da companhia. Por exemplo, o que é relevante de LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) para uma telecom é diferente para uma empresa de água, e para uma petroquímica. Gosto muito do podcast da revista inglesa The Economist, que tem entrevistas com lideranças empresariais, me marcou bastante o presidente da Volks falando sobre transformação, metas e mudanças na empresa. Um depoimento da ex-CEO da Cherokee sobre diversidade, sua carreira e a experiência de uma mulher negra na alta liderança.

4. De que forma conselheiras e conselheiros podem conduzir as empresas para a economia do meio ambiente?

A economia do meio ambiente é a aplicação do instrumental econômico para a capacidade de regeneração do meio ambiente no qual a empresa atua. Há 50 anos, mais ou menos, a gente está no cheque especial ambiental – nós consumimos mais recursos do que o planeta é capaz de regenerar. Não sabemos bem que taxa de juros estamos pagando, mas certamente não é baixa. A economia do meio ambiente procura entender quais são as falhas de mercado que levam a esse processo e como corrigi-las. Os Conselhos, a alta direção de uma empresa e os colaboradores primeiro precisam identificar onde estão as externalidades negativas – os pontos nos quais o processo produtivo gera efeitos não regeneráveis sobre o meio ambiente e tornam o processo não sustentável. É preciso organizar esses pontos no que se chama matriz de materialidade – ver qual é a probabilidade de ocorrência e qual é o impacto sobre o negócio. Então, definir os pontos nos quais realmente é preciso atuar, buscando soluções técnicas e ao mesmo tempo rentáveis. Ou seja, não pode sacrificar a rentabilidade, porque isso também não vai ser sustentável financeiramente. A grande arte é identificar pontos nos quais atuar que agregam valor ao negócio. O papel do Conselho é provocar essa discussão, cobrar dos gestores as possíveis soluções, discutir critérios para avaliação dos vários projetos e trabalhar para que isso agregue valor à companhia, o que é extremamente complicado, mas indispensável.

5. Como priorizar a sustentabilidade, diante de tantas outras pautas?

É importante não tratar os temas ESG separadamente e ter uma abordagem transversal. Assim como ver qual é o impacto da atividade em emissão de dióxido de carbono, os possíveis riscos socioambientais. O negócio precisa ter um impacto positivo no meio ambiente e na sociedade, e ter boa governança. Em todos os Conselhos que participo, todo ano se faz uma agenda temática, que reflete todas as atividades e projetos, incluindo os princípios ESG. Por exemplo, seria muito estranho se um determinado site produtivo não tivesse nenhuma mulher, nenhuma minoria, não tivesse diversidade. Isso chamaria atenção. Os princípios se aplicam em todas as atividades da companhia.

6. Existe a expectativa de que uma nova regulamentação na União Europeia pressione o avanço de exportadoras brasileiras nos temas ESG. Na sua opinião, em que medida isso pode acontecer de fato?

O Conselho precisa ser uma grande sentinela, um farol, e estar muito atento às macrotendências que podem afetar os negócios. Alguém pode dizer: "Bom, mas isso não é uma exigência ainda". Não hoje, mas daqui a dois, cinco, dez anos provavelmente haverá uma taxação de emissão de carbono. O Conselho precisa tornar a companhia muito mais proativa, e não reativa, ela tem que sair na frente e se preparar para as mudanças. Transformar em uma grande oportunidade algo que potencialmente seria um custo adicional. Se o mercado está apontando que a descarbonização valoriza o produto vamos fazer já.

7. No Brasil, a autorregulamentação está sendo um mecanismo para o combate às mudanças climáticas. Na Política Nacional de Resíduos Sólidos cada setor definiu o percentual de logística reversa que encaminha para reciclagem. Na criação das bases para o mercado regulado de carbono, nove macrossetores tem até maio de 2023 para apresentar ao poder executivo, propostas de redução de emissões de gases de efeito estufa. O escopo dos Conselhos abrange essas questões?

Sempre no sentido de identificar mudanças e oportunidades, orientar, discutir e interagir com a administração para que isso seja feito. Acredito ser muito melhor o regulador estabelecer metas gerais e onde se quer chegar. Cabe aos setores encontrar eficientemente o caminho para alcançar as metas. Como eu já fui burocrata, sei o quanto não se conhece o outro lado do balcão. O papel do Conselho deve ser no sentido de alertar para que, antes do regulador estabelecer qualquer norma arbitrária, seja discutido seriamente o que seria uma regulação adequada, observando que a autorregulação raramente substitui a regulação. Como o conselheiro não está no dia a dia da empresa, correndo, apagando incêndio, ele tem a obrigação de pensar nisso, de olhar para frente e falar sobre o uso consciente dos recursos. 

Resumo

O EY Center for Board Matters (CBM) entrevistou Gesner Oliveira. Economista com experiência na gestão pública e privada, conselheiro de empresas desde o início dos anos 2000, e professor universitário autor de dois livros premiados. Aos 66 anos de idade, seu foco é trazer para as reuniões as pautas ambientais, sociais e de governança, considerando a sustentabilidade financeira e avançando nas questões regulatórias. 

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