Graph

A e-bulição em curso nos Impostos Especiais de Consumo

Related topics

Em Portugal, fevereiro de 2023 marca a entrada em vigor de diversas disposições fiscais e aduaneiras há muito anunciadas (por enquanto, apenas) no domínio da estrutura geral dos Impostos Especiais de Consumo, incluindo Regulamentação específica da União com impacto direto na consolidação do mercado comum e, bem assim, de matérias abrangidas pela referida tipologia de tributos.

A necessidade de harmonização das accises dos Estados-Membros iniciou-se em 1962 (Relatório Neumark), com a identificação de um conjunto de realidades passíveis de tributação e consequente contributo para o aumento de receitas. Esta harmonização foi essencialmente regulada por decisões comunitárias, cujo objetivo seria o de obviar a que as diferentes estruturas de tributação nacional (produtos, estrutura e taxas) criassem distorções à circulação de mercadorias e, por esta via, à consolidação do mercado comum.

Por regra, por cada accise sujeita a tributação, a par de uma dita Diretiva Horizontal, concretizadora do escopo geral dos Impostos Especiais sobre o Consumo (“IECs”) devidamente harmonizado (âmbito de aplicação, incidências objetiva e subjetiva, facto gerador, exigibilidade e isenções), outras Diretivas relativas à estrutura ou mesmo taxa (mínimas e máximas) poderão coexistir face às necessidades dos Estados-Membros.

Certo é que, em termos comuns, os IECs obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes (“sendo repercutidos nos mesmos”) na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente e da saúde pública, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária – orientação que é acolhida no artigo 2.º do Código dos IECs.

A versatilidade e originalidade dos IECs que vêm sendo instituídos, que têm sido complementados por taxas e outras contribuições ao longo das últimas décadas, é bastante curiosa e está a afetar a própria estruturação dos primeiros (com a correspondente questão da legitimidade da respetiva cobrança). De facto, a típica estrutura unilateral subjacente aos impostos tem vindo a ser progressivamente substituída por mecanismos de natureza sobretudo paracomutativa, à luz da qual os consumidores devem suportar os encargos correspondentes aos efeitos negativos (externalidades) que as suas preferências, materializadas em atos de consumo, geram para a sociedade.

Todavia, a clássica argumentação legitimadora da tributação enquanto instrumento apto à internalização de externalidades negativas deverá atender: (i) por um lado, ao facto de estarem em causa externalidades com efetiva materialidade (caso contrário, a intervenção do Estado seria desproporcional, senão mesmo ineficiente); (ii) por outro lado, assentar numa lógica de subsidiariedade relativamente a outros instrumentos regulatórios dotados de maior eficiência para a prossecução de iguais resultados.

Independentemente das discussões de política fiscal acerca da atual moldura legislativa , certo é que, 61 anos volvidos sob a evidente necessidade de uniformizar legislação fiscal ao nível da União, os operadores económicos enfrentam os desafios de atualização das IT tools que lhes permitam controlar, em tempo real, os stocks e as respetivas movimentações, implementando mecanismos de tracking, reporte, movimentação e faturação de mercadorias a nível global, em tempo real, com a respetiva transmissão às autoridades competentes.

Complementarmente, importa navegar no mar em ebulição da legislação aplicável.

Em Portugal, a Diretiva UE n.º 2020/262 foi transposta pela Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro de 2022. Particularmente discreta, desta Lei decorrem diversas transposições com impacto no setor energético e na alteração substancial do Código dos IECs.

De igual modo, os Regulamentos Delegado UE n.os 2022/1636 e de Execução 2022/1637, ambos de 5 de julho de 2022, entraram em vigor a 13 de fevereiro deste ano, visando o alinhamento dos processos alfandegários (formatos, documentos, dados, limiares de perdas, movimentos, alterações e cancelamentos) e combate à evasão, expandindo-se simultaneamente  o “Sistema de Controle e Movimento de Impostos Especiais” (EMCS), visando a supervisão dos movimentos de bens que tenham sido introduzidos no consumo para fins comerciais.

Neste último ponto, o Regulamento UE n.º 2023/246, de 30 de janeiro de 2023 alterando o Regulamento UE no. 389/2012 relativo ao intercâmbio das informações mantidas nos registos eletrónicos sobre os operadores económicos que transportam produtos sujeitos a IECs entre Estados-Membros para fins comerciais, foi ainda criado o Documento Administrativo Simplificado eletrónico (e-DAS).

Por último, a circulação de bens no regime de prévia introdução no consumo passa apenas a poder ser efetuada por operadores devidamente credenciados junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, que terão de beneficiar de um dos 4 estatutos previstos no Código dos IECs: (i) expedidor certificado (artigo 60.º-B), (ii) expedidor certificado temporário (artigo 60.º-B/5), (iii) destinatário certificado (artigo 60.º-A) ou (iv) destinatário certificado temporário (artigo 60.ºA/6), com destaque para o Ofício-Circulado n.º 35.191, de 9 de fevereiro. Com o mar em ebulição, os IECs tornam-se rapidamente o próximo campo de batalha do (já complexo e diversificado) universo fiscal.



Resumo

Após 61 anos sob a evidente necessidade de uniformizar legislação fiscal ao nível da União, os operadores económicos enfrentam os desafios de atualização das IT tools que lhes permitam controlar, em tempo real, os stocks e as respetivas movimentações, implementando mecanismos de tracking, reporte, movimentação e faturação de mercadorias a nível global, em tempo real, com a respetiva transmissão às autoridades competentes.

About this article

Related articles

Diz-me o teu código e dir-te-ei como serás tributado

Está aí o desafio à classificação das mercadorias na cadeia comercial e o escrupuloso cumprimento da contribuição sobre as embalagens de utilização única de plástico.