Regimes especiais e o futuro do IRS

Regimes especiais e o futuro do IRS

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Os regimes especiais de IRS estão cada vez mais na ordem do dia. Será esse o futuro do IRS?

Os jovens

Em Portugal, é cada vez mais recorrente falar-se sobre os jovens e de qual poderá ser o seu futuro no nosso país. Do ponto de vista fiscal, nos anos mais recentes tem-se procurado introduzir regimes fiscais atrativos, que promovam a permanência dos jovens em Portugal e aqui ingressem no mercado de trabalho.

Tanto assim é que, em 2020, entrou em vigor um regime especial denominado “IRS Jovem”, com o objetivo de diminuir (ainda que inicialmente de forma modesta) a carga fiscal dos jovens nos seus primeiros três anos de carreira.

Este regime foi sendo sucessivamente revisto nos anos seguintes, tornando-o mais apelativo, com um maior número de contribuintes a beneficiar dele. Com efeito, se em 2020, de acordo com os dados do Portal do Governo, beneficiaram deste regime 10.286 jovens, este número aumentou para 37.199 em 2021 e 73.684 em 2022, sendo o benefício fiscal médio de cerca de 425 euros por ano, prevendo-se ainda um maior aumento para 2023.

Por outro lado, as mais recentes notícias indicam que o benefício concedido poderá aumentar em 2024, o que, a concretizar-se, poderá traduzir-se em imposto zero para quem comece a beneficiar do regime em 2024 (aplicável ao primeiro ano de trabalho no qual se tenha acesso ao regime).

De acordo com as simulações efetuadas pela EY, se o regime for alterado, como referiu António Costa, no sentido de que "(...) no 1º ano nenhum paga, no 2º ano cada um paga 25% do que lhe caberia pagar, no 3º e no 4º ano só pagam metade do que cada um lhe caberia pagar e no último ano só pagam 75% do que a cada um caberia pagar (...)", para um jovem solteiro e sem filhos, com um rendimento bruto mensal de 1.500€,  a poupança ascenderia a cerca de 10.166€ no conjunto dos cinco anos, o que seria bastante significativo.

Assim, à primeira vista, esta medida pode ser positiva e revestir-se como um incentivo aos jovens para que não emigrem. Mas tal medida será suficiente para atingir esse objetivo?

Portugal - um país de emigrantes

Apesar de existir um fluxo significativo de imigrantes, com destino a Portugal, a verdade é que este continua a ser um país com uma diáspora muito significativa, em várias regiões do planeta.

Promover o regresso da diáspora portuguesa pode traduzir-se no acesso a recursos financeiros, recursos académicos e talento qualificado, e permitir aumentar a inovação em Portugal, tornando o país mais competitivo. Contudo, poderá revelar-se uma tarefa difícil, atendendo às diferenças, muitas vezes encontradas, nas (melhores) condições oferecidas aos portugueses, nos países para onde emigraram.

É assim que, em 2019, e no sentido de tentar contrariar essa tendência, surge o programa dos ex-residentes, conhecido como “Programa Regressar”, prevendo que, durante o ano do regresso e nos 4 anos subsequentes, seja concedida uma vantagem fiscal bastante significativa, ao permitir  excluir de tributação, 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais, ou seja, permitindo que, durante este período, apenas se pague impostos sobre metade do rendimento, sendo, a outra metade, excluída de impostos sobre o rendimento.

A título de exemplo, num ordenado bruto mensal de 1.500€, um solteiro, sem filhos, em setembro de 2023, a diferença entre a aplicação, ou não, do regime dos ex-residentes, significa uma diferença de 236€ no rendimento líquido mensal (sem considerar os eventuais ajustes após a entrega da declaração de IRS, nem as eventuais deduções à coleta).

Se pensarmos que o regime se aplica durante 5 anos, a poupança de IRS pode revelar-se bastante significativa, o que poderá constituir um fator de ponderação por parte dos emigrantes que estejam a equacionar regressar a Portugal.

O regime dos Residentes Não Habituais

O Regime dos Residentes Não Habituais (RNH) foi implementado em 2009, no contexto da aprovação do Código Fiscal do Investimento, com vista a dar um novo impulso à economia portuguesa, que se encontrava, então, em contração, e que viria a culminar na intervenção da Troika. O objetivo que se pretendia alcançar passava por promover Portugal como um país atrativo, em termos fiscais (o El-Dorado europeu, como foi, posteriormente, apelidado no estrangeiro), para aumentar o consumo interno e atrair profissionais qualificados, de “elevado valor acrescentado” e capazes de fazer impulsionar a economia portuguesa.

Decorrida mais de uma década após a introdução deste regime, e já com uma atualização das atividades consideradas como sendo de elevado valor acrescentado, constata-se que o impacto da introdução do RNH tem sido substancial, quer no que respeita à chegada de muitos profissionais qualificados (fundamentais ao crescimento da economia), quer relativamente à chegada de “reformados”,  no início quase exclusivamente provenientes de países do Norte da Europa, que optam por se deslocar para Portugal para aproveitarem o clima ameno do nosso país, bem como, as vantagens fiscais concedidas pelo RNH.

Se é verdade que os RNH usufruem de vantagens fiscais (por exemplo, a isenção de grande parte dos seus rendimentos do estrangeiro, ou uma tributação reduzida sobre as pensões de reforma), é igualmente certo que, em muitos casos, estes novos residentes não viriam para Portugal se não existisse este regime fiscal que os atraísse para cá. Assim, não se pode falar, aqui, em perda de receita (porque estes novos residentes não pagariam impostos em Portugal, em primeiro lugar), mas sim, num aumento do número de consumidores que, ajudou a aumentar o consumo de bens e serviços, em geral, e, consequentemente, a respetiva receita fiscal.

Por outro lado, e no que diz respeito aos rendimentos do trabalho dependente, com a possibilidade de sujeição a uma taxa fixa de 20% (em vez das taxas gerais de imposto que, atualmente, podem ascender a 53%), a conclusão já não é tão linear. Efetivamente, e considerando que já existiam muitas das deslocações para Portugal, poder-se-ia falar em alguma perda de receita, ainda que diversas empresas se tenham decidido fixar em Portugal tendo em conta, entre outros fatores, a existência deste regime fiscal favorável, bem como o facto de o regime, não limitado a estrangeiros, ter incentivado a que vários portugueses pudessem regressar ao país, trazendo importantes competências e experiência acumulada que, doutra forma, dificilmente seriam trazidas para a realidade empresarial portuguesa.

A atração de profissionais talentosos para Portugal, e a chegada de um grande número de novos consumidores com um poder de compra significativo é uma das faces da moeda do regime dos residentes não habituais, que levanta, contudo, entre outras questões, a questão da discriminação positiva, a nível fiscal, destes indivíduos, face à generalidade da população.

Passado, presente e, que futuro?

Referimos já, os inegáveis benefícios que estes regimes especiais têm produzido em diferentes setores da nossa economia, e na própria população.

Veja-se o exemplo do IRS Jovem, que tem permitido aos jovens, em início de carreira, ter um rendimento líquido um pouco superior à média nacional (ainda que a realidade dos salários em Portugal continue desfasada em relação aos demais países da Europa), traduzindo-se num maior poder de compra e, tendencialmente, num maior consumo, como motor da economia.

Por outro lado, o regresso de emigrantes a Portugal tem ajudado a impulsionar a nossa economia, através do investimento das suas poupanças e da aplicação do seu (maior) poder de compra – fator essencial a ter em conta quando se fala em prosperidade económica de um país.

Por fim, e no que diz respeito ao RNH, é importante realçar o impacto positivo que este regime teve para ajudar a atenuar a crise do imobiliário e construção – dois dos setores que são o motor da economia portuguesa e que, com a chegada, num primeiro momento, de centenas, ou mesmo milhares de cidadãos do Norte da Europa, permitiu que a procura de casas aumentasse, os preços subissem e o setor da construção se voltasse a reerguer. No entanto, têm existido vozes a alertar para o aumento da pressão imobiliária devido à discriminação positiva desses indivíduos, e à sua maior disponibilidade líquida, fruto das isenções que lhes são concedidas.

É neste contexto que, de acordo com o que foi adiantado pelo Primeiro-Ministro na última 2ª feira, poderemos estar perante o fim de uma era, com o eventual término do regime do RNH.

No entanto, teremos de aguardar pela publicação da Lei do Orçamento do Estado, na próxima semana, para conseguirmos descortinar o que será concretizado no Orçamento do Estado de 2024: poderá ser a subida das taxas especiais (atualmente 20% para o trabalho dependente e 10% para as pensões)? Poderá, por outro lado, ser a criação de dois escalões para a taxa especial (numa tentativa de aproximação ao regime especial espanhol)? Ou será mesmo o final do regime, terminando, assim, a era dos RNH?

Não obstante as alterações que possam vir a ser introduzidas, é importante salvaguardar as expectativas dos investidores e particulares, que possam já ter as mudanças em curso, ou a concretização de investimentos no nosso país no curto prazo (ainda que os mesmos  só se concretizem, na prática, nos próximos anos), assegurando, por exemplo, a introdução de um período transitório de adaptação ao contexto fiscal português, de forma a salvaguardar estes investimentos cruciais para a nossa economia.

Com efeito, é fundamental assegurar a manutenção da competitividade fiscal de Portugal a nível internacional (atendendo a que quase todos os países europeus têm regimes fiscais atrativos, destinados a atrair profissionais qualificados e indivíduos de alto rendimento), uma vez que o desaparecimento do regime pode levar a uma redução considerável do investimento direto estrangeiro em Portugal que, em parte, tem sido justificado pela existência deste mesmo regime.

Teremos, inevitavelmente, de aguardar pela próxima semana, para conhecermos as mudanças que serão propostas para 2024, nas quais deverão estar incluídas as novidades do regime do RNH para o próximo ano.

Para além do exposto, e sem pôr em causa o impacto positivo que estes regimes causaram, é importante tornar o regime fiscal português igualmente atrativo para a generalidade dos portugueses.

Como sabemos, Portugal tem uma das maiores cargas fiscais na Europa, por exemplo, ao nível do IRS, com uma das mais altas taxas máximas (ao nível dos países nórdicos, ainda que, sem as vantagens associadas às da vivência num país nórdico): a taxa máxima na Suécia, ronda, atualmente os 53% enquanto, na Alemanha, a taxa máxima ascende a 45% (a taxa máxima de Portugal está atualmente nos 53%).

Este facto, aliado a um histórico de salários baixos, deixa a maioria dos portugueses com um reduzido rendimento líquido e uma dificuldade real em fazer face às despesas do seu dia-a-dia.

Tal contexto leva-nos a questionar sobre qual poderá ser o futuro do IRS no nosso país que, segundo cremos, precisa de evoluir no sentido de se tornar atrativo para a generalidade dos portugueses, por um lado pela via da simplificação fiscal, e por outro lado, pela via da revisão das atuais taxas progressivas de imposto.

No que respeita à simplificação fiscal, veja-se, a título de exemplo, a fórmula do mínimo de existência que, numa tentativa de assegurar que pessoas com rendimentos abaixo dos 10.640€ não pagariam IRS, apresenta, na verdade, uma formulação que quase se aproxima da física quântica.

Não seria mais simples, produzindo um objetivo semelhante, assegurar que os primeiros Euro 12.500 de rendimento estivessem excluídos de tributação para todos os contribuintes, aumentando significativamente a dedução específica (que permanece inalterada nos Euro 4.104), continuando as contribuições obrigatórias para a Segurança Social efetuadas pelo trabalhador (quando superiores a 12.500€), de modo a conceder-se o acréscimo de dedução, como já atualmente acontece?

Vejamos o caso do Reino Unido em que, a dedução pessoal atinge as 12.570 Libras (cerca de 14.700€) e representa o valor de rendimentos que não é sujeito a impostos (com exceção dos contribuintes que se encontram no último escalão em que a taxa máxima atinge os 45%).

Com uma alteração deste tipo, estar-se-ia a apostar numa maior transparência e simplificação no cálculo do imposto, cujas nuances, regimes especiais, benefícios temporários, deduções, etc., nas suas mais variadas formas, resultam numa complexidade do cálculo que é deveras desafiante e não facilmente percetível para o cidadão comum. Garantir-se-ia que quem tem rendimentos mais baixos não iria pagar IRS (o que tendencialmente já sucede, uma vez que os que menos ganham praticamente já não pagam IRS), mas de uma forma mais simples de entender e verdadeiramente transparente para o cidadão comum.

 Em face do exposto, creio que seria benéfico, para Portugal, a implementação de um novo paradigma fiscal, mais direcionado para a redução generalizada dos impostos e para o aumento, efetivo e imediato, do rendimento líquido dos portugueses, não sendo protelado até ao ano seguinte, aquando da entrega e liquidação da respetiva Declaração de Rendimentos.

Como ponto de partida para esta mudança podemos considerar o exemplo da Alemanha que, perante a contração da sua economia, decidiu diminuir a sua carga fiscal com o intuito de estimular o consumo e inverter a atual curva descendente


Resumo

Em Portugal, os agentes governativos têm vindo a apostar na implementação de sucessivos regimes especiais, nomeadamente, no Regime dos Residentes Não Habituais (RNH), no denominado “Programa Regressar” e no Regime do IRS Jovem. Estes regimes têm contribuído, de forma significativa, para fomentar a atratividade de Portugal, atraindo investimento e talento qualificado estrangeiro. Contudo, é igualmente importante tornar o regime fiscal português atrativo para a generalidade dos portugueses.

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