3 minutos de leitura 26 out 2020
EY man riding a bicycle

Smart Funds para Smart Cities

por Miguel Amado

Miguel Amado - Partner, Government and Public Sector Leader, Ernst & Young, S.A.

Mais de 20 anos de experiência internacional em grandes projetos de transformação. Pai de três filhos. Fala cinco línguas. É apaixonado por música e toca quatro instrumentos.

3 minutos de leitura 26 out 2020

Num período de crise pandémica e uma antecipada crise económica surge o plano de recuperação e resiliência que, a par do próximo quadro comunitário de apoio para o período 2020-2027, pretende promover e acelerar o caminho de recuperação nacional gerada por constrangimentos globais, como se não bastassem os já habituais problemas nacionais.

Este caminho de recuperação tem de passar pelo território e pela sua administração local, com as suas vicissitudes, desafios e ambições, e tendo sobretudo em consideração a proximidade que esta tem com o cidadão, o real destinatário e beneficiário deste plano. Para a recuperação e aumento da resiliência nacionais é necessário que existam:

  1. Convergência para um alinhamento inicial, com regras e princípios comuns;
  2. Rapidez na elaboração e execução dos planos associados às iniciativas;
  3. Um controlo e transparência que permitam aferir o impacto causado na sociedade e economia, decorrentes das opções feitas.

Assim, como poderão as cidades ser inteligentes na abordagem à captação dos fundos para que convirjam para a tão desejada recuperação? Certamente não será uma tarefa fácil. Mas uma análise compreensiva do plano pode ser o primeiro passo para uma abordagem estruturada aos fundos, que se tiver uma perspetiva holística e estratégica das suas iniciativas torna mais fácil a compreensão dos seus benefícios.

Os três grandes blocos temáticos do PRR: a resiliência, a transição climática e a transição digital deverão constituir a primeira referência da convergência, através de um alinhamento das iniciativas e projetos envolvendo estes 3 blocos.

Para a resiliência, o roteiro das vulnerabilidades sociais traz apoios para a saúde, habitação social e mecanismos de respostas sociais que aumentem a proximidade e inclusão das franjas mais desfavorecidas da sociedade que, com a atual situação de crise sanitária, ficaram ainda mais vulneráveis. Outra característica deste bloco é a luta contra a pobreza através de operações integradas nas comunidades desfavorecidas das áreas metropolitanas. Numa outra vertente, estão previstos apoios para o aumento do potencial produtivo e criação de emprego, dois aspetos bem complexos numa crise global. As cidades, que acolhem a maior parte da força de trabalho do país, terão aqui um papel essencial junto dos negócios que se desenvolvem no seu território e na criação de mecanismos de requalificação e capacitação dos seus habitantes, tirando benefícios de programas como o "+CO3SO-Emprego". As infraestruturas continuarão a ter um papel essencial na competitividade e a coesão territorial, acrescidas da gestão hídrica e das florestas que têm um papel de destaque e trazem espaço aos municípios mais rurais para obter apoio para uma floresta inteligente mais resiliente ao flagelo dos incêndios de verão. Finalmente o cadastro territorial irá trazer oportunidades de melhoria de serviços ao cidadão assim como otimização da receita fiscal dos municípios.

O bloco de apoio à transição climática aposta sobretudo em apoios à mobilidade sustentável e inteligente, descarbonização e eficiência energética, com destaque para os apoios à descarbonização dos transportes públicos e para a eficiência energética em edifícios públicos, como apoios a iniciativas para uma cidade inteligente. Uma temática que deverá levar em conta a nova realidade trazida por esta pandemia, com o teletrabalho e flexibilidade de horários a trazerem impactos significativos às questões da mobilidade e movimentos pendulares diários que se verificam principalmente nas cidades.

Se na resiliência e na transição ambiental vemos muitos apoios ao setor privado, a transição digital traz um inequívoco apoio à administração pública (que neste bloco representa mais de 58% do valor previsto), fazendo jus à convicção de muitos, onde me incluo, de que a transição digital traz eficiências e melhorias no serviço público, que por sua vez irão trazer o Estado para mais perto do cidadão. É na transição digital onde aparenta estar a maior parte do potencial de fundos que se podem destinar aos objetivos das cidades inteligentes, alinhadas com as reformas que pretendem disponibilizar mais serviços públicos digitais, Simples e Inclusivos; uma administração pública conectada, segura e inteligente e uma força de trabalho capacitada para a criação de valor público.

No que diz respeito aos, qualquer candidatura a fundos tem de garantir que se consegue digitalizar de forma racional, alinhada com um plano diretor digital e sem perder de vista o desafio da infoexclusão. Quanto à conectividade, há que enquadrar com:

  1. A utilização de computação na cloud (alinhada com a Estratégia cloud para a Administração Pública que consta do plano de ação para a transição digital sob responsabilidade da estrutura de missão Portugal Digital) que trará uma abordagem mais eficiente e ágil para fazer frente à crescente aceleração do desenvolvimento tecnológico;
  2. A área da "data science" que será, em conjunto com a inteligência artificial, o motor dos grandes benefícios; e com a cibersegurança, condição essencial para criar a confiança dos intervenientes para dinamizar uma adoção efetiva das soluções a implementar.

Finalmente prevêem-se apoios para a reforma e requalificação das competências de quem é o elo de ligação da estrutura do estado e o cidadão: o funcionário público. No caso das cidades inteligentes há que identificar as formas como o funcionário municipal pode criar mais valor ao cidadão, promovendo o talento, internalizando competências emergentes. No fundo garantindo o melhor equilíbrio humano/digital, permitindo assim automatizar atividades de menor valor acrescentado e disponibilizar mais atenção às necessidades individuais de cada cidadão.

É ainda importante destacar o alinhamento desta transição digital do PRR com o plano de ação para a transação digital que inclui a” Definição e implementação da Estratégia Nacional de "Smart Cities From Smart Cities to Smart Nation", materializado em projetos como o da ANMP "Municípios +Inteligentes", que espelha a necessidade do desenvolvimento das cidades num plano de convergência nacional.

Desta forma, é essencial a sistematização das iniciativas das cidades para que:

  1. Estejam alinhados com os objetivos delineados no PRR, e nos restantes planos de incentivos do Governo, e assim se tornem elegíveis para financiamento;
  2. Incluam objetivos e metas que possam ser não só atingidas, mas também medidas para aferir o impacto esperado e real;
  3. Evitem ao máximo o recurso a dívida adicional;
  4. Enderecem os desafios das cidades, mas consigam também ter um efeito multiplicador na economia, criando valor e emprego;
  5. Promovam a colaboração das melhores competências e pontos de vista para que a criação de valor seja otimizada, promovendo ao mesmo tempo uma economia de ecossistema.

Resumo

Se há forma inteligente de abordar os fundos europeus para as cidades e regiões de Portugal, esta passará pelo aprofundamento destas reflexões e por espelhar os planos da cidade inteligente numa ótica de resiliência, de transição climática e sobretudo de transição digital.

Sobre este artigo

por Miguel Amado

Miguel Amado - Partner, Government and Public Sector Leader, Ernst & Young, S.A.

Mais de 20 anos de experiência internacional em grandes projetos de transformação. Pai de três filhos. Fala cinco línguas. É apaixonado por música e toca quatro instrumentos.