O planeta encontra-se numa insustentável era de ebulição, atualmente a ação do progresso tem de ser mais leve e a responsabilidade muito mais sustentável.
No mês em que celebramos o Dia Nacional da Sustentabilidade, o planeta entrou numa insustentável era da Ebulição - “The era of global warming has ended. The era of global boiling has arrived” – conforme declarou António Guterres, aquando da confirmação que Julho de 2023 foi o mês mais quente alguma vez registado. Perante o desastre climático, que deixou de ser problema das gerações futuras e é já um risco iminente para as presentes, tiremos lições da magistral obra de Milan Kundera: como é que escolhemos relacionar-nos com a Terra?
O tempo da leveza e ausência de compromisso ecológico já se esgotou, ser responsável é o único caminho que resta à humanidade. Já passámos da crise ao desastre climático, das alterações ao clima alterado, das catástrofes naturais às artificialmente coadjuvadas pela ação humana e os nossos líderes e empresários visionários não estão otimistas.
Desde 2017, temos visto o Secretário-Geral da ONU a fazer da ação climática uma das maiores prioridades do seu mandato. Aliás, Guterres tem sido muito vocal sobre a urgência de combater as alterações climáticas, promovendo consistentemente o desenvolvimento sustentável, através de iniciativas de compromisso global como as metas do Acordo de Paris e apelando a uma transição rápida e justa para as Energias Renováveis, em detrimento das energias fósseis.
O visionário Elon Musk vai mais longe e acredita que só tornando a humanidade uma espécie multiplanetária a pode salvar de catástrofes naturais ou nucleares, na Terra. E para isso já traçou o seu ambicioso escape plan para a colonização de Marte, através da sua empresa SpaceX e da reutilização da Starship, para criar e colonizar uma cidade autossustentável em Marte.
Mas para além iniciativas visionárias, institucionais, dos governos e da mobilização da sociedade civil, as empresas também têm um papel crucial naquilo que se passou a designar por ESG - Envirnomental, Social e Governance - integrando a medição da sustentabilidade e do impacto nas decisões de investimento. No entanto, a integração daqueles três pilares na vida corporativa coloca múltiplos desafios, entre os quais: (1) a ausência de uma abordagem padronizada e global para avaliar os critérios ESG pode levar a variações na sua classificação, interpretação e comparação; (2) o equilíbrio entre a integração das metas ESG e as exigências dos acionistas e outros stakeholders não é linear; e (3) a tentação do Greenwashing, podendo algumas empresas “inflacionar” indicadores ou falsear a sua conformidade com os padrões ESG, não fazendo o walk-the-talk.
Esta minha crónica é apenas uma reflexão sobre a forma como escolhemos viver neste mundo do século XXI e, tal como Kundera desafiou os leitores a refletir sobre a sustentabilidade existencial, desafiar-nos a pensar na (in)sustentabilidade da relação que estabelecemos com a Terra e com a finitude dos seus recursos. Ainda vamos a tempo de criar um futuro mais sustentável e harmonioso para nós e para as gerações futuras?
Chegámos com estrondo à era da Ebulição, mas agora a ação do progresso tem de ser mais leve e a responsabilidade muito mais sustentável – e sustentada por todos os players. As empresas são parte integrante deste “ecossistema de responsabilidade”, sendo que o foco crescente no ESG representa uma mudança positiva e de esperança, em direção à sustentabilidade. Mas será apenas uma “Primavera de Praga” - momento histórico da vida e do enredo do romance de Kundera - se as empresas não forem mais efetivas, criativas e colaborativas com as gerações ecoconscientes Z e Y.
Não podemos continuar a ser o catalisador corporativo deste global boiling, porque “não há planeta B”.