Vivemos tempos em que o avanço tecnológico é verdadeiramente disruptivo e transformador. Os termos relacionados com tecnologia e inovação tornaram-se habituais no vocabulário das organizações e o setor segurador não foge à regra.
Líderes dos mais variados setores têm vindo a debruçar-se sobre as implicações e impactos do rápido avanço tecnológico a que assistimos, particularmente no que toca à utilização de inteligência artificial (IA). A análise e debate desta matéria é essencial para que as empresas estejam preparadas para dar resposta aos desafios inerentes a esta nova realidade. No setor segurador, os CEO (Chief Executive Officer) parecem entender a combinação única de riscos e oportunidades que daqui advêm, através de uma postura de otimismo com alguma apreensão. De acordo com um inquérito de 2023, efetuado pela EY aos CEO de empresas de seguros internacionais, 58% destes consideram que o uso de IA é um fator positivo para o negócio, 52% planeiam um investimento considerável em IA no próximo ano e 59% acreditam que postos de trabalhos impactados pela aplicação de IA serão contrabalançados pelo emergir de novas funções. Numa pesquisa sobre o setor segurador, elaborada pela EY em 2022, as principais oportunidades relacionadas com IA prendem-se com a previsão de tendências para responder da melhor forma às necessidades dos clientes, desenvolvimento de ferramentas “self-service” que melhorem a experiências dos clientes e colaboradores, automatização de processos que permitam reduzir custos laborais e aumentar a eficiência e produtividade e, finalmente, incentivo à criação de novos produtos através de ofertas personalizadas.
Na perspetiva dos clientes, estes dão sinais de estarem dispostos a que o uso de IA por parte das empresas se torne mais frequente e para uma maior variedade de tarefas. Num inquérito internacional ao consumidor, realizado pela EY em 2023, 60% dos inquiridos referem que estão otimistas quanto à implementação de IA para o desempenho de tarefas rotineiras/repetitivas e análise de dados e mais de 60% sente-se confortável quando a IA é usada para a segurança da comunidade, deteção de crimes e eficiência no local de trabalho.
O descrito anteriormente indica que a utilização de IA é uma realidade cada vez mais presente no panorama empresarial internacional, com benefícios evidentes na otimização dos processos de gestão internos, de forma a oferecer aos clientes e colaboradores a melhor experiência possível. Não obstante, os riscos intrínsecos à adoção de IA – tanto financeiros como não financeiros – são tão significativos quanto os potenciais benefícios e estão fortemente interligados. A título de exemplo, observe-se a capacidade de utilizar IA para personalizar ofertas de produtos e comunicação com os clientes. Este avançado nível de personalização representa igualmente um risco mais elevado das empresas incorrerem em violações de privacidade e discriminação. Assim, maximizar o uso apropriada de IA requer uma compreensão profunda dos riscos associados a estas tecnologias. Incluem-se nestes riscos, entre outos:
- Dados sensíveis: o potencial uso ou tratamento indevido de dados sensíveis, incluindo informações pessoais identificáveis, pode levar a violações de privacidade, sendo este risco intensificado pela vasta quantidade de dados que os sistemas de IA processam;
- Transparência: a natureza “black-box” de alguns modelos de IA torna difícil explicar ou entender a sua tomada de decisão, podendo suscitar preocupações ao nível de apuramento de responsabilidades;
- Resultados tendenciosos e/ou falsos: os modelos de IA, quando processados a partir de dados tendenciosos, podem propagar, ou mesmo agravar, preconceitos existentes, originando, por exemplo, termos contratuais e preços injustos ou recusa de reclamações;
- Colaboração balanceada entre humanos e IA: saber quando aplicar o julgamento humano versus seguir as recomendações geradas pela IA pode ser um desafio;
- Privacidade: a monitorização contínua (por exemplo, através de telemática e dispositivos vestíveis) pode ser considerada invasiva por parte dos clientes.
Em adição aos riscos mencionados, a incerteza das empresas de seguros quanto às suas responsabilidades legais e regulamentares nesta matéria é notória, desde potenciais violações de direitos de autor e propriedade intelectual ao incumprimento do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados e de outras regras. Embora os reguladores, a nível global, se encontrem a trabalhar ativamente na definição de diretrizes e legislação para a adoção de IA, as interrogações sobre o que é permitido e o que as empresas serão obrigadas a comunicar têm vindo a gerar preocupação junto das mesmas.
Por tudo isto, a adoção de IA é exigente e desafiante, levando a que as empresas de seguros permaneçam cautelosas quanto à sua utilização, especialmente em atividades relacionadas com o cliente. Por outro lado, é inegável que, num mercado segurador progressivamente mais competitivo, o uso atempado e adequado de IA cria oportunidades únicas para que as empresas se diferenciarem dos seus concorrentes, enriquecendo a experiência e satisfação dos seus clientes e colaboradores.
Face ao exposto, fica claro que a IA veio para ficar no panorama empresarial como um todo, e no setor segurador em particular, e a necessidade das empresas e reguladores construírem sistemas de controlo e governação robustos e transparentes para responder a esta nova realidade é premente. Importa, no entanto, relembrar que a IA nas empresas de seguros ainda se encontra numa fase bastante inicial e, como tal, as interrogações quanto à sua utilização e crescimento nos próximos anos são muitas e nem sempre de resposta evidente. Contudo, parece inequívoco que para a futura confiança dos clientes é essencial uma implementação ética da IA e uma entrega de resultados justos e imparciais, um desafio que será enfrentado por vários setores, não apenas pelo segurador.
Artigo escrito por João Ferreira de Sousa, Manager EY, Assurance Financial Services