30 set 2022
Claudia Sender

EY entrevista: Claudia Sender

Por EY Brasil

Ernst & Young Global Ltda.

30 set 2022

Depois de 19 anos como executiva, a engenheira Claudia Sender, primeira mulher a presidir uma empresa de aviação no Brasil, decidiu se tornar conselheira de administração, tendo as pautas socioambientais como foco de seu trabalho. 

N
ascida na Avenida Paulista há 47 anos, Claudia Sender teve uma ascensão rápida na carreira executiva, de estagiária a presidente em 15 anos. Formada em Engenheira Química pela Universidade de São Paulo, com MBA pela Harvard Business School, ela atribui a sua disciplina e curiosidade à trajetória exitosa. Claudia se tornou referência por ser a primeira mulher a conquistar a posição de CEO no setor de aviação no Brasil.  

Ela começou a carreira na consultoria Bain&Company, onde ficou por 7 anos. Depois, na fabricante de eletrodomésticos Whirlpool, trabalhou em diferentes áreas até chegar à vice-presidência de marketing no Brasil e de desenvolvimento de produtos na América Latina. Em dezembro de 2011, integrou a companhia aérea brasileira TAM, como vice-presidente de vendas e marketing, na mesma época da fusão com a chilena LAN – a origem da Latam, maior empresa do setor na América Latina. Em 2013 se tornou presidente da Latam no Brasil, e vice-presidente global da área de clientes. 

Quando decidiu deixar a rotina de executiva, em maio de 2019, se tornou conselheira de três empresas: da fabricante de cimentos LafargeHolcim e da siderúrgica Gerdau – onde está até hoje, e do grupo de Ensino Superior Estácio (hoje Yduqs), onde ficou por 2 anos. Desde janeiro de 2020, ela faz parte do Conselho da companhia Telefônica, e desde abril de 2021, da Embraer. Nas empresas em que a sede não é em São Paulo, onde Claudia mora com o marido, viaja pessoalmente para as reuniões, na Suíça e Espanha. E diz que está vivendo a “síndrome do ninho vazio”, porque seus dois enteados recentemente foram estudar fora do país.

Claudia também atua nas ONGs: Artesol, de artesanato; Gastromotiva, que atende pessoas em situação de insegurança alimentar; e Amigos do Bem, de projetos de educação, trabalho, renda, água, saúde e moradia no sertão nordestino, além de atuar no Instituto Capitalismo Consciente.

1. Como foi a sua jornada até se tornar membro de Conselho de Administração? 

Quando eu me tornei responsável por todas as áreas de clientes da Latam no mundo, cheguei à minha primeira posição em Conselho de Administração. Assumi a representação do controlador no Conselho da Multiplus, uma empresa que já era listada e controlada pela Latam. Depois, quando eu decidi que ia sair um pouco da vida corporativa, recebi inúmeros convites para me juntar a diferentes Conselhos e decidi que queria dar foco na parte ambiental, atuando em empresas com uma pegada de carbono muito relevante, para ajudá-las a olhar com ainda mais seriedade e ajudar os gestores a terem apoio dentro do Conselho nos temas ambientais. Com isso em mente, entrei para o Conselho da maior fabricante de cimentos do mundo, a Holcim, e da maior siderúrgica do Brasil, a Gerdau – duas indústrias que têm uma pegada de carbono muito importante. Depois de um tempo, entrei no Conselho da Embraer porque a aviação está entre as chamadas “hard to abate”, que são indústrias em que ainda não existe uma clareza processual de qual vai ser o caminho tecnológico de solução do problema de emitir gases de efeito estufa. Então, essa foi uma visão muito clara de que eu queria dedicar muito do meu tempo e dos meus esforços para os temas ambientais. Para os temas sociais também, e aí entrei no Conselho da Telefônica em janeiro de 2020, pensando em como a tecnologia e as telecomunicações podem ajudar a reduzir as desigualdades e gerar mais oportunidades. 

2. Quais temas você dedica a maior parte do seu tempo enquanto conselheira?

Eu me dedico muito a entender o que acontece nos setores, a competitividade nos países onde as empresas atuam. A Holcim, por exemplo, está em mais de 70 países, então não dá para entender a profundidade da situação política e macroeconômica de todos, mas o que está acontecendo em cada uma das regiões, estar a par sobre a indústria como um todo, sobre inovação e desenvolvimento. As pautas que eu acredito que consigo fazer mais diferença são as quais me dedico bastante, como marketing e vendas, e inovação para manter os clientes fiéis, que não são conhecimentos generalizados dentro dos Conselhos, mas são uma fortaleza do meu histórico pessoal. O segundo ponto é levar pautas ambientais e sociais à toda reunião. A pauta social vem comigo naturalmente por em muitas situações eu ser a única mulher na mesa, por fazer parte de uma minoria atuante. Procuro falar não só de diversidade de gênero, mas de diversidade racial e paridade de remuneração. Eu me dedico muito a aprender mais sobre as tecnologias de descarbonização das indústrias onde a pegada de carbono é tão relevante, como conseguir avançar junto com os parceiros do ecossistema – no caso da Embraer, os fornecedores de motor, de peças, de combustível. Então, como um dos atores centrais da indústria consegue mover essa engrenagem. 

3. Você teria indicações culturais e de fontes de conteúdo relevantes para auxiliar seus pares a refletir acerca dos desafios no Conselho?

Eu acredito que fóruns e cursos, como os do Competent Boards (programas online de educação ambiental, social, de governança e de clima) são interessantes porque eles nos forçam a refletir sobre o que virá e não sobre o que está. Lembro de uma palestra em que foi dito sobre no passado a lei permitir a escravidão. Quando olhamos para as nossas empresas e falamos que estamos agindo de acordo com a lei, precisamos perceber que no futuro vamos ser julgados com as lentes do futuro, não com as lentes do tempo presente. Eu adorei o livro do Bill Gates, How to Avoid a Climate Disaster (2021), que fala sobre as três indústrias onde eu atuo, que devem existir soluções disponíveis no futuro, mas ainda teremos de investir muito dinheiro e trabalhar muito duro. Da parte de educação mais específica das indústrias, eu tento usar as associações, que têm muitas publicações relevantes e estão, em geral, muito atualizadas sobre o que está acontecendo no mundo inteiro. Assisto séries para desopilar, como a Borgen (sobre a trajetória de Birgitte Nyborg, ex-primeira-ministra da Dinamarca), sobre mulheres no poder. Eu não posso dar muito spoiler, mas a última temporada traz temas contemporâneos da relação entre mulheres. Existe um clichê de que mulher não se ajuda, e sabemos que não é bem assim.

4. Na sua opinião, quais competências os conselheiros e conselheiras precisam para fazer avançar políticas socioambientais nas organizações?

No mundo corporativo, do qual sou parte há mais de 20 anos, nos acostumamos com métricas e parâmetros muito estreitos, como produtividade, rentabilidade, crescimento, estabelecidos por muitas décadas, reconhecidos pelo mundo inteiro, pelos analistas dos bancos e assim por diante. Isso ainda existe em uma gama enorme de empresas. No Brasil, infelizmente, isso é muito mais presente do que vemos na Europa, que já está mais avançada nessa visão. As empresas são feitas de pessoas que olham para alguns indicadores ambientais, por exemplo, e acreditam que aquilo não lhes compete, que não é importante para sua indústria. Os líderes pensam "eu sou uma agulha dentro de um palheiro, sou uma gota no oceano", e se dão o direito de ignorar esse tipo de tema e não trazer realmente para um nível de consciência o impacto que sua empresa tem ou pode ter no seu entorno e no planeta. Para mim ficou muito claro durante a pandemia que é muito difícil convencer as pessoas a mudar as suas atitudes pensando no bem coletivo. Muitos falavam: “para que eu vou me vacinar? Eu já tive covid, eu não preciso mais me proteger”, quando na verdade a vacinação é uma estratégia de saúde pública, não de saúde individual. E aí se vê como as pessoas ainda têm muitos vieses de pensar no individual de curto prazo, ao invés de pensar no coletivo de longo prazo e isso se repete dentro das empresas. Eu acredito no capitalismo consciente porque trazemos os temas para um nível de consciência muito maior, de pensar sobre o impacto que a empresa vai ter daqui a 20, 30, 100 anos, e é o que eu amo de trabalhar em empresas centenárias: a visão de que se chegou só até um pedaço do caminho, e que tem um caminho enorme para continuar percorrendo, que não vai acabar daqui cinco anos, não se está aqui só para o próximo trimestre. Eu acho que esse nível de consciência ainda está muito pequeno perto do que precisa ser feito para se conseguir evitar um desastre climático, e evitar que nossos filhos não tenham problemas de acesso à água, de secas, de calor extremo, frio extremo. Depois de alcançar esse nível de consciência, o próximo passo é o(a) conselheiro(a) entender qual é o seu papel como uma pessoa que tem voz dentro dos ambientes de tomada de decisão e dos ambientes de poder do nosso país, do nosso mundo. A primeira pergunta que um(a) conselheiro(a) faz nas reuniões é lembrada porque mostra a sua prioridade. Em todas as empresas, o Conselho tem que aprovar os grandes investimentos, enquanto não mudarmos a ordem das perguntas, por exemplo, “quanto isso vai reduzir a nossa pegada de carbono?”, o tema fica com uma relevância menor.  

5. Sobre os aspectos sociais, qual o papel dos homens na trajetória por mais equidade?

Eu brinco que a mulher saiu de casa para trabalhar e o homem não entrou, e os que entraram sentaram no sofá e pediram uma cerveja gelada, por favor – se tiver o por favor. Então, enquanto a gente não tiver essa mudança de cultura social e da forma como nós criamos nossas filhas e nossos filhos sobre o papel do homem dentro da sociedade, vai continuar sendo uma mudança lenta. Hoje a posição de CEO de 95% das empresas é ocupada por homens. Esses homens têm um modelo mental no qual estão acostumados a se cercar de pessoas iguais. E muitas vezes as decisões acontecem em ambientes onde a mulher não pode estar presente porque ela precisou voltar para casa para cuidar dos filhos, dos pais, ou porque ela tem uma vida mais multifacetada do que os homens. Enquanto não mudarmos o mindset de que o homem também tem que voltar para casa, também tem suas responsabilidades domésticas porque são pais e têm 50% da doação genética dos seus filhos, não vamos conseguir avançar nas pautas simplesmente porque vamos continuar tendo uma liderança muito masculina que não entende e não valoriza a tarefa adicional da mulher que acontece fora do trabalho. Tem políticas de licença paternidade que precisamos realmente influenciar para ajudar essa mudança acontecer mais rapidamente. 

6. E quais seus conselhos para as mulheres?

As mulheres precisam buscar aliados, com um discurso que aproxime e não distancie. Eu sou uma feminista e acho que toda vez que falamos a palavra feminista já vem todo aquele estereótipo de queimar sutiãs, de brigar com todo mundo. Eu acho que como feministas nós temos que ajudar os homens a serem nossos parceiros nessa luta, a entender a diferença, e mudar os vieses culturais que nós temos para que consigamos avançar juntos. A mulher precisa verbalizar sua ambição de maneira muito clara e transparente, negociar salários, buscar por exemplos, por referências, mas quando não encontrar exemplos, que tal trazer pessoas diferentes, que possam ser nossas aliadas nessa luta? 

Resumo

O EY Center for Board Matters (CBM) entrevistou Claudia Sender. Uma ascensão rápida na carreira executiva, de estagiária a CEO em 15 anos, levou a engenheira paulistana especialista em marketing e clientes Claudia Sender a assumir sua primeira posição em Conselho de Administração aos 42 anos. Ela conta sua trajetória, como se atualiza para as reuniões e como busca influenciar seus pares a prestar atenção nas pautas ambientais e sociais.

Sobre este artigo

Por EY Brasil

Ernst & Young Global Ltda.